Lógica e analogias: um casamento perfeito na ‘República’ de Platão


Suponha que tem uma tarefa para completar: deve escolher um número inteiro de um conjunto não vazio de inteiros não negativos. Por exemplo, deste conjunto:

C1 = {3, 53, 75, 67, 99}

Você escolhe 67 e forma o conjunto R1 = {67}, de modo que R1C1 = {67}.

Agora tem de escolher exatamente um inteiro de cada um de dois conjuntos não vazios de inteiros não negativos, tais como:

C1 = {3, 53, 75, 67, 99}

C2 = {5, 37, 1}

Você escolhe 67 ∈ C1 e 5 ∈ C2 e forma o conjunto R2 = {67, 5}, de modo que R2C1 = {67} e R2C2 = {5}.

E agora tem de escolher exatamente um inteiro de cada um de três conjuntos não vazios de inteiros não negativos, tais como:

C1 = {3, 53, 75, 67, 99}

C2 = {5, 37, 1}

C3 = {0, 2, 4, 6, 8, …}

Você escolhe 67 ∈ C1, 5 ∈ C2, e 6 ∈ C3 para formar o conjunto R3 = {67, 5, 6}, de modo que R3C1 = {67}, R3C2 = {5}, e R3C3 = {6}.

Difícil ou fácil?

Supertarefa 1. Suponha agora que tem diante de si uma lista com infinitos conjuntos não vazios de inteiros não negativos C1, C2, C3, C4, C5, …, todos mutuamente disjuntos (isto é, CiCj = ∅ quando ij), e que deve escolher exatamente um inteiro de cada um deles para formar um novo conjunto RN, de modo que RN contenha exatamente um elemento em comum com cada um dos conjuntos Cj.

Difícil ou fácil? Em certo sentido, é tão fácil quando partir de C1, C2, e C3 para chegar ao conjunto R3 — basta considerar um conjunto de cada vez e escolher um inteiro, e só um, de cada um dos conjuntos C1, C2, C3, C4, C5, …, sem exceção. Se for um deus capaz de realizar supertarefas, e então puder escolher o primeiro inteiro em 1/2 minuto, o segundo inteiro em 1/4 de minuto, o terceiro inteiro em 1/8 de minuto, …, o enésimo inteiro em 1/2n de minuto, e assim por diante, em apenas 1 minuto terá o conjunto RN completamente formado.

Ora, no começo do século 20, quando matemáticos do mundo inteiro trabalhavam para tornar mais explícitas as regras da lógica matemática, muitos implicaram com problemas semelhantes à supertarefa 1. Diziam que essa possibilidade, a de escolher exatamente um elemento de cada conjunto numa lista infinita de conjuntos não vazios, era um passo lógico muito grande, uma tremenda ousadia intelectual, e que tal ousadia precisava ser batizada com um nome especial e ser escrita na forma de axioma:

Axioma da escolha. Dada qualquer coleção de conjuntos não vazios mutuamente disjuntos, coleção essa finita ou infinita, é possível montar um novo conjunto, a ser chamado de conjunto transversal ou conjunto de escolha, o qual contém exatamente um elemento de cada um dos conjuntos da coleção.

Em termos bem simples, o axioma da escolha diz que, tendo diante de si uma coleção de conjuntos, coleção essa finita ou infinita, conjuntos esses finitos ou infinitos, pode fazer uma série de escolhas não especificadas para formar um novo conjunto. Afinal, quando partiu de C1 = {3, 53, 75, 67, 99} e escolheu o elemento 67, ora, poderia ter escolhido 53, ou então 99. Por que não escolheu 53? Por que não escolheu 99? E por que escolheu 67? Talvez queira dar a seguinte resposta: “Por motivos os quais não quero especificar.” O axioma da escolha permite que dê esse tipo de resposta.

Se muitos matemáticos implicavam com problemas como a supertarefa 1, muitos outros não implicavam. Achavam a coisa toda muito natural, e não viam necessidade de incluir, nas fundações da teoria dos conjuntos, o axioma da escolha. Achavam que o axioma da escolha poderia ficar nos bastidores, entre os conceitos primitivos, isto é, entre os conceitos que dispensam definição ou explicação formal; ao contrário, se alguém reclamasse das escolhas feitas para formar conjuntos novos a partir de conjuntos dados, escolhas essas não especificadas, bastava uma breve explicação informal sobre a simplicidade que é escolher, explicação essa dada em linguagem corrente.

Até que um dia alguém foi perguntar a opinião de Bertrand Russell — matemático, filósofo, ativista, ensaísta dos bons. E então? Devemos incluir o axioma da escolha nas fundações da teoria dos conjuntos? Ele não é a coisa mais natural do mundo, e portanto não deve ficar na prateleira dos conceitos primitivos? Por que poluir a teoria axiomática dos conjuntos com um axioma que, ao que tudo indica, é desnecessário?

“Se você tem infinitos pares de sapatos”, respondeu Russell, “sempre pode escolher o pé esquerdo de cada um deles. Mas não pode fazer algo assim para o caso de infinitos pares de meias.”

A analogia de Russell mudou a cabeça de muita gente. Sim, se tem diante de si infinitos pares de sapatos, pode escolher o pé esquerdo de cada um deles — isso é fácil, é simples, é incontroverso. Mas, se tem diante de si infinitos pares de meias… ora, o pé direito é idêntico ao pé esquerdo. Logo, para cada par de meias, terá de pegar um pé e dizer: “Declaro este pé de meia como sendo o pé esquerdo deste par de meias.” Essa operação é mil vezes mais complicada do que simplesmente separar o pé esquerdo de um par de sapatos, e os matemáticos queriam ter a certeza de que podiam realizar operações desse tipo, nas quais a escolha envolve também uma espécie de batismo, isto é, uma decisão mais sutil. O axioma da escolha daria essa certeza.

Veja como essa situação toda aparece num trecho de matemática. Quando trabalha com irracionais, dado o irracional a, sempre pode escolher um irracional b tal que a + b é racional. (Por exemplo, faça b = 1 – a, e daí a + b = 1.) Ou então, dado o irracional a, sempre pode escolher um irracional b tal que ab é racional. (Faça b = 1/a, e daí ab = 1.) Mas será que existem dois irracionais a, b tais que ab é racional?

Há uma prova simples e elegante que diz: “Sim, existem.” Faça x = (√2)√2. Se x é racional, achou o seu exemplo, com a = b = √2. Se x é irracional, faça a = x e b = √2, pois daí ab = 2, e de novo achou o seu exemplo.

Note que, com essa prova, você diz que existem sim dois irracionais a, b tais que ab é racional, mas não diz se x = (√2)√2 é ou não é irracional, embora tenha usado x em dois passos importantes da prova — na qual, assim como escolheu um pé de meia e o declarou como sendo o pé esquerdo, você escolheu o número real x e o declarou como sendo racional, na primeira parte da prova, e depois como sendo irracional, na segunda parte. Depois da analogia dos pares de meias de Russell, os matemáticos perceberam mais claramente que os axiomas da teoria dos conjuntos precisavam, de alguma maneira, justificar esse tipo de manobra numa prova, e o axioma da escolha era a melhor maneira.

Pensar sem recorrer a analogias é como viajar a pé. O sujeito chega aonde quer chegar, no fim das contas, mas cansa — e demora.

Há um jeito de ver centenas de analogias em ação: basta ler A República, de Platão, livro no qual Sócrates (personagem de Platão) encadeia analogias, símiles, e metáforas umas atrás das outras, no esforço hercúleo de justificar as duas teses centrais do livro: (1) É sempre melhor praticar a justiça do que a injustiça, mesmo que a justiça traga desonra ao praticante e que a injustiça traga honra; (2) Para praticar a justiça, o sujeito precisa aprender a desconsiderar muitos aspectos de todas as histórias oficiais que veio a amar desde criança: as histórias da escola, do teatro, e principalmente as histórias da religião.

A certa altura d’A República, por exemplo, Sócrates quer preparar o terreno para uma tese controversa: a de que, na cidade perfeita, as mulheres de espírito forte devem receber a mesma educação que os homens de espírito forte recebem, e que, caso uma mulher dessas se revele a mais capaz na arte de comandar a cidade, então ela tem o direito e o dever de exercer o comando. Para tanto, Sócrates compara a espécie humana a outras espécies.

Quem cria e vende cães de pastoreio não faz distinção entre machos e fêmeas, pois sabe que um bom pastor talvez seja macho, ou talvez seja fêmea. Quem cria e vende cavalos de corrida também não faz distinção entre machos e fêmeas, pois um cavalo veloz talvez seja macho, ou talvez seja fêmea. Portanto, dada a experiência que o homem tem com animais, sabe que um dom da Fortuna às vezes incide sobre um macho, e às vezes sobre uma fêmea. Visto que o homem também é um animal, então os vários dons da Fortuna às vezes incidem sobre homens, e às vezes sobre mulheres, e isso inclui o dom de comandar a cidade. Logo, diz o argumento de Sócrates, toda criança de espírito forte, seja menino, seja menina, deve receber o mesmo tipo de educação, para que, no futuro, as autoridades tenham a possibilidade de escolher a melhor pessoa possível para comandar a cidade, mesmo que, por um capricho da Fortuna, essa pessoa seja uma mulher.

Como deixar o argumento de Sócrates mais estrito? Um bom começo é recorrer a uma definição mais formal de analogia:

1. S é similar a T em certos aspectos (conhecidos).

2. Além disso, S tem a propriedade Q.

3. Logo, T também tem a propriedade Q, ou então T tem alguma propriedade Q’ que é similar a Q.

No linguajar técnico, S é o domínio de origem da analogia e T é o domínio de destino. Um jeito de usar a definição mais formal de analogia com o argumento de Sócrates é este: faça S = [Os indivíduos de uma espécie animal, sejam machos ou fêmeas, têm virtudes e vícios relativos ao estilo de vida daquela espécie]; faça T = [A espécie humana é uma espécie de animal, e os indivíduos da espécie humana têm virtudes e vícios relativos ao estilo de vida humano]. (As chaves servem para indicar que você está interessado não exatamente no texto ipsis litteris dentro das chaves, mas sim no significado do texto, mesmo que seja escrito com outras palavras.) Depois de definir S e T dessa maneira:

A1. S = [Os indivíduos de uma espécie animal, sejam machos ou fêmeas, têm virtudes e vícios relativos ao estilo de vida daquela espécie] e T = [A espécie humana é uma espécie de animal, e os indivíduos da espécie humana têm virtudes e vícios relativos ao estilo de vida humano] são similares em vários aspectos, pois, sendo o homem um animal entre outros animais, muitas das propriedades dos animais são também propriedades do homem.

A2. Além disso, S = [Os indivíduos de uma espécie animal, sejam machos ou fêmeas, têm virtudes e vícios relativos ao estilo de vida daquela espécie] tem ainda a propriedade Q = [As virtudes e vícios daquela espécie são distribuídos pela deusa Fortuna ao acaso entre machos e fêmeas].

A3. Portanto, T = [A espécie humana é uma espécie de animal, e os indivíduos da espécie humana têm virtudes e vícios relativos ao estilo de vida humano] também tem a propriedade Q = [As virtudes e vícios da espécie humana são distribuídos pela deusa Fortuna ao acaso em homens e mulheres], de modo que T também tem a propriedade Q’ = [Dado um grupo qualquer de meninos e meninas, a virtude de comandar a cidade talvez tenha sido dada pela Fortuna a uma menina]. E disso que segue que tal menina especial, que é uma menina de espírito forte, deve receber a mesma educação apropriada para comandar a cidade que um menino igualmente especial receberia.

Como pôde ver com o exemplo, toda vez que estuda algum tipo de lógica, fica mais competente na arte de usar analogias, ou de analisá-las, pois fica mais competente na arte de substituir coisas complicadas, como frases e parágrafos, por coisas um pouco mais simples, como letras e argumentos escritos com letras e outros símbolos lógicos. A substituição de coisas complicadas por coisas mais simples, que é a essência das várias lógicas, muitas vezes ajuda a identificar certas semelhanças estruturais entre o domínio de origem e o de destino, e com isso você ganha a capacidade de ver algo novo no domínio de destino, ou então ganha uma maior confiança sobre algo que já via no domínio de destino, mas sobre o qual alimentava dúvidas.

É importante dizer, porém: analogias são perigosas porque são sedutoras. Uma boa analogia convence, mesmo que a afirmação bancada pela analogia seja falsa. Um caso famoso é o de Thomas Reid, que, em 1785, usou uma analogia para defender a ideia de vida em outros planetas do sistema solar:

B1. A Terra é iluminada pelo Sol ao longo de toda a sua órbita, ela tem uma lua, e ela gira em torno de si mesma. Mas, quanto a esses aspectos, a Terra é similar aos outros planetas do sistema solar: cada um deles é iluminado pelo Sol ao longo de sua órbita, vários deles têm pelo menos uma lua, e eles também giram em torno de si mesmos.

B2. Além disso, há seres vivos na Terra.

B3. Logo, por analogia, também há seres vivos nos outros planetas do sistema solar. Nas palavras de Reid: “Esses planetas são, tal como é a nossa Terra, a morada de várias outras criaturas vivas.”

Bem, como o leitor sabe, até hoje ninguém achou seres vivos em lugar nenhum do sistema solar — nem mesmo uma colônia de micróbios unicelulares. (Não quer dizer que não existam, mas, até agora, ninguém achou nenhuma colônia.)

O filósofo escocês David Hume (1711-1776) tinha um conselho para reduzir a probabilidade de um erro como o de Reid: para que uma analogia funcione bem, você deve conhecer apropriadamente não apenas o domínio de origem, mas também o de destino; ou, em outras palavras, o domínio de destino não pode ser um imenso mistério, porque, se for, você não tem condições de saber se a propriedade Q, que se aplica ao domínio de origem, também se aplica ao de destino. Nos tempos de Hume, circulavam várias versões de um argumento cujo propósito era mostrar que o universo tinha sido criado por Deus, e que um dia teria fim graças à vontade de Deus.

C1. As coisas humanas e as coisas da Natureza têm uma propriedade em comum: elas cumprem uma função. Um relógio serve para marcar o tempo; uma semente serve para dar origem a uma nova árvore. Uma ponte serve para atravessar um fosso; os olhos servem para ver.

C2. Além disso, as coisas humanas têm começo e fim. O homem cria uma ponte, mas um dia ela cai. O homem cria um relógio, mas um dia ele pára e tem de ser jogado no lixo.

C3. Logo, por analogia, as coisas da Natureza têm começo e fim. Em particular, a própria Natureza tem começo e fim, e portanto Deus é a causa do começo e do fim da Natureza — pois quem mais, senão Deus, poderia determinar o começo e o fim da Natureza?

Hume se opôs a esse argumento dizendo o seguinte: o homem tem experiência com as coisas humanas. Tem experiência com a concepção e a construção de casas, cadeiras, pontes, relógios. Mas não tem absolutamente nenhuma experiência com a criação ou destruição de universos — o homem nunca viu um deus criando ou destruindo um universo, e, para aplicar o argumento C1C3, o ideal seria que tivesse visto vários deuses criando ou destruindo vários universos. Logo, não sabe nada sobre isso, e não pode de maneira nenhuma garantir que a analogia se aplica.

Sócrates não cometeu o erro de Thomas Reid. N’A República ele usa, como analogia, coisas que seus interlocutores conhecem bem: cães de guarda, pássaros cantores, cavalos; o timoneiro num navio, os construtores de uma cidade; um lutador, um sapateiro; um pai severo, um filho invejoso. Mesmo sua analogia mais famosa, e muito sofisticada, foi toda explicada com elementos bem conhecidos: tudo o que constitui o Mito da Caverna é fácil de visualizar e de entender. E foi assim, com analogia simples atrás de analogia simples, que Sócrates deixou várias pulgas para coçar as orelhas da posteridade, entre as quais estas duas: (a) O melhor que um ser humano pode fazer ao longo da vida é praticar a justiça, prática essa guiada pela melhor sabedoria que possa amealhar; (b) Os líderes da cidade devem ser aqueles que melhor sabem praticar a justiça.

Até quem não gosta de Sócrates acaba confessando o poder que A República exerce. Simon Blackburn, filósofo britânico, professor aposentado da Universidade de Cambridge, admirador de Hume e de Nietzsche, escreveu um livro só sobre A República, no qual escreve no prefácio:

“Nunca achei Platão um autor particularmente agradável.”

E depois escreve na introdução, ao comentar a mania de Platão de escrever por meio de diálogos:

“Platão (e supostamente também Sócrates), embora tenha doutrinas a ensinar, por algum irritante motivo prefere revelá-las apenas por partes, um pouquinho de cada vez, numa espécie de striptease intelectual.”

Mas por fim escreve no último parágrafo do livro:

“Continuamos a venerar os homens de [espírito forte], enquanto o falso prazer e os falsos objetivos são os principais produtos do entretenimento popular e da formação mental de nossos filhos. Hoje estamos menos confiantes do que Bacon, Pope, ou Macaulay de que a revolução científica por si mesma pode garantir a pura libertação e o puro progresso. Numa época em que os recursos energéticos do mundo desaparecem; em que muitos dos nossos recursos culturais, modelados desde o Iluminismo, também parecem se esgotar; quando o pensamento sobre a realidade básica torna-se apenas uma opção de vida entre outras, e como tal é encarado por estadistas; quando a fúria religiosa é tida como virtude; quando a democracia é vendida à plutocracia em todo o mundo ocidental; quando os políticos riem abertamente da ideia de um código de ética do serviço público na administração ou nas outras profissões, preenchendo os cargos mais altos com gente vendida e doutores de araque — o nosso futuro talvez dependa do quão profundamente conseguimos responder às questões colocadas pela República.” {FIM}



Observações:

1. Para saber mais sobre supertarefas, veja a postagem Um deus tem o poder de contar todos os números.

2. Hoje em dia, o matemático menciona o axioma da escolha por uma questão de etiqueta intelectual — pois, numa demonstração, todo trecho no qual o matemático tenha recorrido ao axioma da escolha é necessariamente um trecho de demonstração não construtiva, e é bom que o leitor da demonstração tenha a consciência disso.

3. Em 1965, o matemático Paul Cohen provou que o axioma da escolha é independente dos outros axiomas da teoria axiomática dos conjuntos, isto é, não pode ser deduzido desses outros axiomas.

4. Ao longo do texto, usei “espírito forte” para traduzir a palavra grega “thumos”, que significa, mais ou menos, “entusiasmo com energia com valentia”.

5. O livro de Blackburn se chama A República de Platão: Uma Biografia, e você pode comprá-lo aqui. É muito bem escrito.

6. Hoje, segundo quem entende dessas coisas, a melhor tradução d’A República para o inglês contemporâneo é a de Christopher Rowe, publicada pela Penguin em 2012. É a que tenho usado. Já procurei alguma boa tradução brasileira, que esteja à venda nas livrarias, mas até agora só passei raiva com a falta de capricho. Seria tão bom se houvesse uma tradução brasileira criteriosa, com linguagem de bom gosto, contida num livro bem editado e bonito… Se quiser uma tradução bem-feita para o português de Portugal, numa edição bem cuidada, baixe aqui a tradução de Maria Helena Rocha Pereira, posta à disposição do internauta pela Fundação Calouste Gulbenkian.

7. Você leu no texto: “Ora, no começo do século 20, quando matemáticos do mundo inteiro trabalhavam para tornar mais explícitas as regras da lógica matemática […]” Esse trabalho começou no século 19, virou obsessão mundial nas primeiras décadas do século 20, avançou muito, mas ainda não acabou. Hoje a humanidade sabe muito mais sobre as lógicas empregadas na matemática, mas ainda falta bastante coisa para explicitar.

8. A Fortuna é uma deusa romana, e não grega. Logo, Sócrates não menciona a deusa Fortuna n’A República. (Aliás, até onde sei, também não menciona Tique, a deusa grega da sorte e do azar.) Mas o leitor brasileiro entende “dom da Fortuna” melhor do que entenderia “dom de Tique”.

9. Quando Sócrates usa a palavra “justiça”, quer dizer algo diferente do significado comum: uma pessoa só pode praticar uma ação justa quando se deixa guiar racionalmente pelo conhecimento (e não por crença ou opinião, mesmo que verdadeiras), pela bondade, e pela beleza.

10. Quando escrevo “homem”, quero dizer o conjunto {x : x é um indivíduo da espécie humana}.

11. “O Sol jamais se põe sobre a leitura de Platão. Sempre alguém, em algum lugar, está lendo A República.” — Myles F. Burnyeat (1939-2019), no artigo “Plato as Educator of 19th-century Britain”, publicado pela Routledge em 1998.