O infinito, uma figura irritantemente modesta

Pesquise na internet, e veja como tanta gente faz bagunça com a ideia de infinito e com o símbolo de infinito, que é ∞. Eis uma pergunta frequente: “Quanto é infinito menos infinito?” Muitas vezes, quem faz a pergunta denota as palavras com a expressão ∞ – ∞. O estudante que já se acostumou a realizar operações aritméticas com números reais tende a achar, numa primeira tentativa de dar resposta apressada à pergunta, que ∞ – ∞ deveria ser zero, pois xx = 0 para todo número real x.

Mas pense agora no conjunto dos inteiros positivos: {1, 2, 3, 4, 5, …}. É um conjunto com número infinito de elementos. Tire dele o conjunto dos inteiros pares, {2, 4, 6, 8, …}, que também é um conjunto com número infinito de elementos. O que sobra é o conjunto dos inteiros ímpares, {1, 3, 5, 7, …}, que é um conjunto com número infinito de elementos.

Será então que ∞ – ∞ = ∞?

Tais perguntas surgem todo ano na cabeça de milhares de estudantes mundo afora. Professores dizem que crianças e adolescentes ficam maravilhados com a ideia de infinito, mas, como não a compreendem direito, se embananam com perguntas como estas: “Quanto é ∞ – ∞? Será que 1/∞ é zero?”

O estudante pode abordar superbem o conceito de infinito ao imitar o modo como os matemáticos aprenderam a abordá-lo. No passado, até mais ou menos o começo do século 19, muito matemático se deixou levar pela sensação de maravilhamento e escreveu bobagens sobre o infinito. Hoje, todo matemático domina o assunto.

Para resumir bastante os métodos modernos, o matemático pensa no infinito de dois jeitos interligados:

Jeito 1. O infinito é um valor maior do que qualquer valor fixo que você possa imaginar. Embora o símbolo de infinito seja ∞, você jamais deve manejá-lo como se fosse um número, pois não denota nenhum número em particular. Isso porque a definição de infinito que acabou de ler é vaga demais: Qual é o valor fixo? Qualquer um que você imagine. Pode ser 2, 753, 1.365, 7.000.000.001. Qual é o valor maior? Qualquer um que seja maior que o valor fixo que você imaginou. Se imaginou 753, o valor maior pode ser 754 ou 989 ou qualquer x > 753. Percebe que não pode tratar ∞ com a precisão com que trataria, por exemplo, o inteiro 48? (Na verdade, a definição que acabou de ler, na primeira frase deste parágrafo, é precisa, e não vaga; ela só não te dá elementos para manipular o símbolo ∞ como se fosse um número.)

Jeito 2. Você pode capturar a ideia de infinito com a frase: “Sempre posso dar mais um passo.”

Deve compreender tudo isso mais facilmente com uns poucos exemplos. Por que o conjunto dos inteiros positivos tem número infinito de elementos? Ora, se você lista os primeiros oito elementos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8), sempre pode adicionar 1 ao último elemento e obter a lista com os primeiros nove elementos: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9. Apareceu a marca do infinito: “Mais um.” Se você lista os primeiros n elementos, daí pode adicionar 1 ao enésimo elemento e montar a lista com os primeiros n + 1 elementos. E por que o conjunto dos inteiros positivos pares tem número infinito de elementos? Ora, se pensa numa lista com os doze primeiros casos (2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24), daí pode adicionar ao fim da lista o inteiro 24 + 2 = 26. Mais um. Se imagina uma lista com os n primeiros inteiros positivos pares, nada te impede de adicionar, ao fim da lista, mais um inteiro par, que é o inteiro 2n + 2. Visto que pode fazer isso com listas de qualquer comprimento, o conjunto dos inteiros positivos pares é infinito; por meio de argumento similar, “sempre posso mais um”, o conjunto dos inteiros positivos ímpares também é infinito.

Imagine agora a seguinte situação: você está a 1 metro de distância de certa marca no chão. Daí, se anda metade da distância, andou ½ metro e está a ½ metro de distância da marca no chão. Se anda mais uma vez metade da distância, anda mais ¼ de metro; andou ao todo ½ metro, mais ¼ de metro, e está a ¼ de metro de distância da marca no chão. Se anda mais uma vez metade da distância, anda mais ⅛ de metro; andou ao todo ½ metro, mais ¼ de metro, mais ⅛ de metro, e está a ⅛ de metro de distância da marca no chão. Fica claro que, a cada vez que anda metade da distância que falta até a marca no chão, anda nesta vez metade da distância que andou na vez anterior (ou anda agora a distância que andou na vez anterior dividida por 2, ou, o que dá no mesmo, multiplicada por ½). Numa tabela:

Distância que já andou Distância que falta andar
0 1
½ ½
½ + ¼ = ¾ ¼
½ + ¼ + ⅛ = ⅞

Como sempre pode dividir a distância que falta andar por 2, pode repetir esse processo vezes sem conta: você jamais chegará à marca no chão, pois sempre faltará metade da distância que faltava antes para chegar à marca do chão. Em muitos livros de matemática, esse fato aparece de uma das três maneiras a seguir:

Três jeitos de expressar o mesmo somatório infinito

Três jeitos de expressar o mesmo somatório infinito

Em geral, o estudante sabe que os três pontinhos mais à direita na expressão à esquerda significam “esse procedimento é infinito”. Mas daí ele imita os melhores matemáticos do século 18 e passa a filosofar: “Então é possível somar uma quantidade infinita de parcelas, para no fim desse somatório infinito obter um resultado finito?!” E fica encantado, encafifado, confuso. “Como alguém pode somar um número infinito de parcelas? Isso levaria uma quantidade infinita de tempo!”

Para o matemático moderno, bem treinado em questões de infinito, nenhuma das três expressões significa nada disso. Elas significam algo mais simples: “Quanto maior o número de parcelas que somo, mais perto chego de 1, porém minha soma jamais se iguala a 1, pois 1 é o limite dessa soma.” O sinal de igual, nas três expressões acima, engana um pouco: com ele, o matemático não está dizendo que o somatório infinito é igual a 1, mas que o limite desse somatório com número de parcelas tão grande quanto se queira é igual a 1. O limite é igual a 1, e não o somatório em si. O número inalcançável é igual a 1!

Essa situação é mais ou menos como a da pessoa que adora seu computador, pois com ele pode acompanhar via internet as façanhas dos amigos, editar textos, compor músicas, editar fotografias, produzir filmes. Mas um dia ela abre o computador para ver o que há lá dentro, e fica desapontada: só há umas poucas pecinhas cheias de pinos, com os pinos soldados numa placa esverdeada, e uns cabos. Toda a mágica é produzida por algo que, à primeira vista, não tem graça. Nas mãos do estudante com muito chão pela frente, o infinito é uma coisa maravilhosa, mas o estudante não consegue produzir nada que preste com ideias empolgantes e vagas sobre o infinito. Nas mãos do matemático bem treinado, o infinito é algo modesto, algo do tipo “tão grande quando eu queira”, “tão pequeno quanto eu queira”, “tantas vezes quantas eu queira”, “se quiser, posso realizar esse procedimento uma vez mais”. Irritantemente modesto, e mesmo assim, ou talvez por causa disso, algo com o qual o matemático produz teoremas belíssimos. {FIM}


Aviso: Você verá, nas matérias da série “Cálculo Infinitesimal”, métodos pelos quais atribuir significado preciso a somatórios com número infinito de parcelas, além de métodos pelos quais calcular o valor do limite de tais somatórios (quando tal limite existir). Vai entender, com precisão irritantemente modesta, por que eiπ – 1 = 0. Não perca!

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