Cálculo diferencial com números hiper-reais

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{0}/ Introdução

Este é o sexto capítulo sobre como você usa o sistema dos números hiper-reais para construir o cálculo diferencial e integral. (Eis os cliques para os outros capítulos: primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sétimo, oitavo, nono, décimo.) Desta vez, o assunto é cálculo diferencial, que significa, para resumir bastante: “Medir, instante a instante, a velocidade com que as coisas mudam.” Lembretes: a seção a seguir é a 56 porque o capítulo anterior terminou com a seção 55; e “figura §56-1” significa “a primeira figura que vai encontrar na seção 56”.

Com esses seis primeiros capítulos, você já tem condições de usar derivadas e integrais na resolução de uma quantidade muito grande de problemas práticos e teóricos.


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{56}/ Variações na distância Terra-Lua

Suponha que certa magnitude y esteja crescendo ou diminuindo em função de certa magnitude x; se quiser, escreva «posso ver y como sendo função de x» desta maneira: y = f(x). Dois exemplos: a temperatura y de um forno varia conforme a passagem do tempo x; a distância y da Terra à Lua varia conforme a passagem do tempo x. E daí é natural que pergunte: [1] quando x = 5 segundos, e a temperatura do forno era de y = 31 graus, a que velocidade a temperatura y subia ou descia? Ou ainda que pergunte: [2] quando x = 17 horas e 17 minutos do dia 23 de fevereiro de 2016, e a distância da Terra à Lua era de y = 400.820 quilômetros (veja o gráfico §56-1), a que velocidade a distância y da Terra à Lua aumentava ou diminuía?

Bem, no dia 23 de fevereiro, quando x = 17:17, y = 400.820 quilômetros; mas, quando x = 17:22, y = 400.828 quilômetros. Se divide a variação Δy da distância pela variação Δx do tempo, obtém a variação média naqueles 5 minutos:

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Figura §56-1: O gráfico da variação da distância entre a Terra e a Lua.

No dia 23 de fevereiro de 2016, às 17:17, a distância entre a Terra e a Lua aumentava mais ou menos à taxa de 26,7 metros por segundo — ou, fazendo as contas de outro modo, aumentava à taxa de ≊96 quilômetros por hora.

Ao estudar cálculo diferencial, você estuda métodos e técnicas pelos quais responde a perguntas do tipo [1] e [2], mas com uma diferença: com o cálculo diferencial, você descobre não a variação média de certa quantidade y no intervalo entre x = x0 e x = x1, mas a variação instantânea em certo valor de x; por exemplo, x = x0. A questão é que você não quer fazer a conta com uma diferença entre x0 e x1 de 5 minutos, nem de 1 minuto, nem de 1 segundo, nem de 1 milésimo de segundo. Você quer fazer a conta com uma diferença menor do que qualquer diferença real que possa imaginar — em outras palavras, com uma diferença infinitesimal.

Um professor de matemática, ao apresentar tais ideias pela primeira vez ao aluno, talvez diga algo mais ou menos na linha:

“A derivada de uma função f em cento ponto x = x0 é um número real, com o qual você mede a taxa de mudança de f(x) conforme x passa por x0.”

Alguns alunos entendem essa ideia mais depressa, e outros, mais devagar; mas todos precisam de uns poucos anos para compreendê-la com perfeição. Como disse o professor Nílson José Machado na matéria Cálculo no Ensino Médio: já Passou da Hora: “Quanto à ideia de derivada, nasce assim: quando uma coisa varia com o tempo, é muito natural que eu queira saber como ela varia. Em outras palavras, é muito natural que eu procure uma regularidade nessa variação. Caso eu ache uma regularidade, daí posso dizer coisas do tipo ‘ontem esta árvore estava crescendo à taxa de cinco centímetros por mês’, ‘quando começamos a entrevista, a temperatura desta sala estava subindo à taxa de dois graus centígrados por hora’.” Bem, isso é completamente equivalente à ideia de achar o gradiente (ou a inclinação) da reta tangente à curva de y = f(x) no ponto em que x = x0.

O segredo do cálculo diferencial é olhar um ponto da linha curvilínea de f e, com a imaginação, ver uma reta tangente àquele ponto, e daí, naquele ponto, tratar a função f como se fosse aquela reta tangente. Mexer com linhas retas é muito mais fácil que mexer com linhas curvilíneas — pergunte a qualquer um. Até matemáticos pensam assim, ou, melhor dizendo, principalmente matemáticos.


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{57}/ Curvas e suas tangentes

Como calcula o gradiente da função contínua f se f é uma linha reta, do tipo y = f(x) = mx + k, sendo que m, k são dois números quaisquer?

Já viu isso no ensino médio, pois a equação da reta é uma das primeiras lições de geometria analítica. Veja de novo o que acontece quando calcula o gradiente Δyx:

expr 2

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Figura §57-1

Diga que o formulário acima é válido sempre que x1x0 ≠ 0; nem precisa tomar o cuidado de escolher x0 < x1, pois, desde que faça x0x1, chegará ao valor correto de m qualquer que seja o valor que atribua a x0, x1. Em outras palavras, acha o valor correto de m qualquer que seja o valor não nulo de Δx.

Percebe que está a um passo de generalizar essa ideia para qualquer infinitésimo ϖ ≠ 0?

* * *

Antes de perseguir esse pensamento na sua imaginação, explore uma questão de linguagem: o que o gradiente de f tem a ver com a palavra “tangente”? Olhando para a figura §57-2: é que o gradiente m de f e a tangente de θ são dois números reais completamente equivalentes.

A figura §57-2 é só uma reforma da figura §57-1: ponha um círculo unitário com centro em (c, 0), marque os comprimentos relativos a cosθ, senθ, e use o que sabe sobre semelhança de triângulos. Eis o que deve obter:

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Figura §57-2

Com essa expressão, você demonstra uma ideia importante: sempre que cosθ ≠ 0, tanto faz se apresenta a equação de f como y = f(x) = mx + k ou como y = f(x) = (tanθ)x + k. O gradiente da curva de f é constante e vale m = tanθ; e se quer saber qual é o ângulo entre a curva de f e o eixo X, ache o ângulo θ tal que θ = tan–1(tanθ) = tan–1(m).

Um pouco de teoria sobre o ângulo θ. Note que não pode definir tanθ quando θ = π/2, pois cos(π/2) = 0. Apesar disso, pode perfeitamente imaginar e desenhar a reta vertical x = b, cujo ângulo θ com o eixo X mede π/2. Além disso, muitos professores misturam, sem perceber, os dois significados da palavra “gradiente”: um deles é Δy/Δx = tanθ; o outro é a própria medida do ângulo θ. Numa conversa ou palestra, talvez o professor diga: “O gradiente dessa reta é 1.” Quis dizer tanθ = 1. Dez minutos depois: “Bem, visto que o gradiente desta reta é 45 graus, podemos concluir isso e aquilo.” Quis dizer θ = π/4.

Sobre θ = π/2. Quando Δx = 0 ou θ = π/2, você está falando da linha reta vertical x = b, que pode ver como uma relação entre y e x (para todo valor de y, x = b; veja a figura §57-3), mas não pode ver como uma função y = f(x). Para ter uma função, para cada valor de x, deve atribuir um e só um valor de y.

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Figura §57-3

* * *

Quando a curva de uma função contínua f não é mais uma reta, mas sim curvilínea, em geral você obtém um valor distinto para tanθ para cada valor distinto que atribui a Δx; ou seja, se escolhe quatro valores distintos para x1, é bem possível que calcule quatro valores distintos para tanθ. É o que pode ver na figura §57-4.

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Figura §57-4

Desenhe qualquer curva f contínua, contudo, e vá atribuindo valores para x1 cada vez mais próximos de x0, ou seja, a cada rodada deixe menor o valor de Δx. Daí vê que, quando é capaz de desenhar Δx muito pequeno, o gradiente Δy/Δx fica cada vez mais parecido com o gradiente real no ponto x = x0, e a reta tangente à curva de f no ponto x = x0 se torna visualmente “verdadeira”. É natural que pense assim: “Se eu pudesse desenhar um Δx infinitamente pequeno, o gradiente Δy/Δx se transformaria no gradiente real da reta que, de fato, tangencia f no ponto x = x0.”

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Figura §57-5

Você não pode desenhar um intervalo Δx infinitamente pequeno; isso é impossível, pois a ponta de sua caneta é grossa demais. Mas pode imaginá-lo.

Definição §57-1. Considere a expressão a seguir.

expr 4

Se y = f(x) é uma função definida em x = b, e se a expressão acima representa um hiper-real finito cuja parte padrão é a mesma qualquer que seja o infinitésimo ϖ que venha a escolher, positivo ou negativo, daí diga que f é diferenciável em b, e defina da maneira a seguir a derivada f’(b) da função f em x = b.

expr 5

Em palavras: a derivada f’(b) da função f em x = b é o gradiente da reta tangente a f no ponto x = b, que você obtém ao pensar em Δx como um infinitésimo, isto é, quando faz x1 = b + ϖ para algum infinitésimo ϖ, positivo ou negativo. Com f’(b), portanto, você denota a taxa de variação instantânea da função f quando x = b. Da terceira à sétima linha no formulário acima, pode examinar várias maneiras pelas quais verá grafada a ideia de derivada de f em b. (Por exemplo, vai gostar da forma Df ao estudar álgebra linear; é uma notação que de fato simplifica as coisas quando trabalha com espaços vetoriais. A notação dy/dx é a de Leibniz, e é usada por muitíssimos autores.) Atenção a duas sutilezas: só deve falar da derivada de f em b se b é elemento do domínio de f; caso escolha dois valores distintos para ϖ e obtenha dois valores distintos para f’(b), daí por definição a derivada de f em b não existe, mesmo que b esteja no domínio de f.

Lembrete. Caso queira saber como pronunciar qualquer um dos símbolos para a derivada de f em b, diga: “A derivada de f em b”, “A derivada de y em relação a x”, ou “O coeficiente diferencial de f em b.”

* * *

Nas seções anteriores, já estudou as funções contínuas e provou vários teoremas sobre continuidade. Bem, os matemáticos descobriram que, se uma função f é diferenciável em b, é também contínua em b.

Teorema §57-1. Se f é uma função diferenciável em b, então é contínua em b.

Prova. Para todo infinitésimo ϖ, positivo ou negativo, [f(b + ϖ) – f(b)]/ϖ é um hiper-real finito; portanto, o dividendo 𝕯f(b) = f(b + ϖ) – f(b) tem de ser um infinitésimo ou zero, porque, se fosse um número real diferente de zero, [f(b + ϖ) – f(b)]/ϖ seria um hiper-real infinito. ❏

A recíproca desse teorema não é necessariamente verdadeira. Por exemplo, a função f(x) = |x| é contínua em zero, mas, como verá na seção 60 (uma lista de problemas), não pode diferenciá-la em zero. Eis a situação em que você se encontra quanto a funções diferenciáveis, contínuas, e integráveis:

Diferenciável implica contínua que implica integrável; contudo, integrável não implica contínua que não implica diferenciável.

Levou um par de séculos para que o homem provasse essa frase.

Definição §57-2. Se puder provar que f é diferenciável em todo ponto de um intervalo fechado [a, b], daí diga assim: “f é diferenciável em [a, b]”.

Note que, se f é diferenciável em [a, b], então você partiu de f e definiu uma nova função em [a, b], que é a função f’. Além disso, quando alguém te diz “a derivada de f”, talvez esteja querendo dizer “o coeficiente diferencial de f no ponto x = b” ou “a função derivada de f, que é a função f’, válida no intervalo [a, b]”. Cabe a você, a partir das circunstâncias, escolher o significado correto.

Sutileza. Como pode calcular a derivada de f em a se, para todo infinitésimo ϖ negativo, a + ϖ não faz parte do intervalo fechado [a, b]? E como pode calcular a derivada de f em b se, para todo infinitésimo ϖ positivo, b + ϖ não faz parte do intervalo fechado [a, b]? Simples: se pode calcular a derivada de f em a para todo infinitésimo positivo ϖ; se pode calcular a derivada de f em b para todo infinitésimo ϖ negativo; e se pode calcular a derivada de f no intervalo aberto (a, b) para todo infinitésimo ϖ, positivo ou negativo, daí f é diferenciável em [a, b]. Talvez alguém diga isso com estas palavras: “A funcão f é diferenciável em a pela direita, diferenciável em b pela esquerda, e diferenciável em (a, b) pela direita e pela esquerda.”

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Figura §57-6: a função f está definida em a e b, embora tenha uma descontinuidade em a e b.

Antes de continuar, que tal uma pausa para calcular umas poucas derivadas? As ideias ficarão mais claras.


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{58}/ Três exemplos

Exemplo 1. Ache a derivada da reta cuja equação é y = f(x) = mx + k no ponto em que x = x; nessa equação, m e k são dois números reais quaisquer.

Resolução. Trabalhe direto com a definição; escolha um infinitésimo ϖ qualquer, positivo ou negativo.

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E com isso expressou, com a linguagem do cálculo diferencial, várias informações que já sabia de outros carnavais: (a) Num plano cartesiano XOY, o gradiente da reta y = ax + b equivale ao número real a, pois Dy = a; pode pôr essa ideia em palavras assim: “Em todo valor de x, a reta y = ax + b está crescendo à taxa de a unidades por unidade, se a é positivo, ou está diminuindo à taxa de a unidades por unidade, se a é negativo, ou não está nem crescendo nem diminuindo, se a é zero.” (b) O ângulo θ que a reta mx + k faz com o eixo X é θ = tan–1(Dy) = tan–1(m). (c) Toda função constante, do tipo y = f(x) = k para algum número real k, tem gradiente igual a zero, pois sua derivada Df é igual a zero, já que m = 0. (d) Note: se y = f(x) = mx + k, a função derivada f’(x) = m para todo x é uma função constante, cuja derivada é zero. Logo verá como conversar sobre a derivada de uma derivada, e como colocá-la no papel. (e) Visto que f é diferenciável para todo valor de x, é contínua em todo valor de x, como já provou antes no texto sobre continuidade (especialmente a seção 40).

Exemplo 2. Ache a derivada de f(x) = x2 em x = 1.

Resolução. Escolha um infinitésimo ϖ qualquer, positivo ou negativo, e vá direto para a definição.

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Em palavras: quando x = 1, a função f está crescendo à taxa instantânea de 2 unidades por unidade. [Unidades no eixo Y por unidade no eixo X, sejam quais forem.] Se tivesse usado o eixo das ordenadas para marcar a distância em metros de certo corpo em relação a certo ponto de referência, e o eixo das abscissas para marcar o tempo em segundos, poderia dizer que, quando x = 1 segundo, o corpo está se afastando do ponto de referência à taxa instantânea de 2 metros por segundo, isto é, à velocidade de 2 metros por segundo. (A derivada da função posição, com a posição em relação ao tempo, se chama velocidade.)

Exemplo 3. Calcule a derivada de f(x) = 2x3 – 3x2 + 6x – 1 em x = 4.

Resolução. Escolha um ϖ qualquer, positivo ou negativo, e use as definições.

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Em palavras: quando x = 4, a função f está crescendo à taxa de 78 unidades por unidade. Se usa f(x) para representar a quantidade de litros de combustível num reservatório, e x para representar a hora do dia, então com f’(4) está dizendo que, às 4 horas da manhã, alguém enchia o reservatório à taxa de 78 litros por hora.


 

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{59}/ As primeiras seis regras de derivação

Como talvez tenha notado com os três exemplos, é mais fácil achar a derivada de uma função que a integral. E isso quase sempre é verdade, embora algumas derivadas deem horas de trabalho. Nas linhas a seguir, verá seis teoremas bastante úteis no cálculo de derivadas. Procure compreender seu enunciado, parta do pressuposto de que são verdadeiros, e use-os para resolver a lista de problemas na seção 60. Vai provar os teoremas na seção 61, pois prová-los depois de tê-los usado é mais natural — é mais parecido com o que acontece em situações de pesquisa.

Teorema §59-1. “A regra da derivada de uma adição de funções.” Se f e g são duas funções diferenciáveis em x = b, e se h(x) = f(x) + g(x), daí h é diferenciável em b e h’(b) = f’(b) + g’(b).

Teorema §59-2. “A regra da derivada de um produto de funções.” Se f e g são duas funções diferenciáveis em x = b, e se h(x) = f(x)g(x), daí h é diferenciável em b e h’(b) = f’(b)g(b) + f(b)g’(b). (Com outra notação: Quando x = b, Dh = gDf + fDg.)

Teorema §59-3. “A regra da derivada do recíproco de uma função.” Se f é diferenciável em x = b e se f(b) ≠ 0, então a função h(x) = 1/f(x) também é diferenciável em b e, além disso:

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O teorema a seguir é corolário dos teoremas §59-2 e §59-3.

Teorema §59-4. “A regra da derivada de um quociente de funções.” Se f e g são diferenciáveis em x = b e g(b) ≠ 0, daí a função h(x) = f(x)/g(x) é diferenciável em b e, além disso:

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Teorema §59-5. “A regra da derivada de uma composição ou concatenação de funções — a regra da cadeia.” Se f é diferenciável em x = b e g é diferenciável em y = f(b), daí a função h(x) = g[f(x)] é diferenciável em b e, além disso:

expr 11

Às vezes, o estudante expressa essa linha assim: “A derivada da função de fora vezes a derivada da função de dentro.” Evite o mnemônico, pois não se trata de “fora” ou “dentro”, mas sim de precedência: ao calcular o valor de h(x), você primeiro aplica a regra da função f a x, e depois aplica a regra da função g a f(x). Lembre-se de que pode escrever g[f(x)] = (g ◊ f)(x). Em todo caso, vai ouvir “fora” e “dentro” em todo lugar, visto que palavras não se submetem a decisões individuais.

Teorema §59-6. “A regra da derivada da parcela de um polinômio, ou ainda a regra da derivada de uma potência inteira de x.” Para todo inteiro positivo n, e para todo número real r, a derivada da função rxn equivale a nrxn–1. Veja como muita gente anota essa regra:

expr 12

Com o apóstrofo, está dizendo ao leitor: “Ache a derivada da expressão dentro dos colchetes.” É um jeito conveniente de denotar a derivada de uma expressão matemática, e deve aprender a usá-lo.

(Devo dizer que “a derivada de uma expressão matemática” é significante, cujo significado é “a derivada da expressão que caracteriza uma função”?)


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{60}/ Lista de problemas

§60-1. Se f(x) = x2 e a = 3, ache f’(a).

§60-2. Se f(x) = 5 – x2 e a = –1, ache f’(a).

§60-3. Se f(x) = x2 e a = 2, ache f’(a).

§60-4. Se f(x) = 2x4 – 3x2 + 1 e a = 0, ache f’(a).

§60-5. Prove que, se f e g são diferenciáveis em b, e se h(x) = f(x) – g(x), daí h é diferenciável em b e h’(b) = f’(b) – g’(b). (Se quiser, examine antes a prova do teorema §59-1.)

§60-6. Ache um exemplo de funções f e g tais que, se h = fg, então existe um x = b tal que h’(b) ≠ f’(b)g’(b).

§60-7. Se h(x) = kg(x), onde k é uma constante real e h, g são diferenciáveis em x = b, daí h’(b) = kg’(b). Use o teorema §59-2 para provar essa afirmação; por exemplo, comece com f(x) = k.

§60-8. Ache a derivada de f(x) = √x em qualquer ponto no qual x > 0.

§60-9. Se f(x) = x, ache f’(x), isto é, ache uma expressão para f’ que seja válida para todo valor de x.

§60-10. Se f(x) = x2, ache f’(x).

§60-11. Se f(x) = 7x2 – 2x + 3, ache f’(x).

§60-12. Se f(x) = x2x, ache f’(x).

§60-13. Se f(x) = 1/x, ache f’(x).

§60-14. Se f(x) = x2/(3√x), ache f’(x).

§60-15. Se f(x) = senx, ache f’(x). (Esse é difícil; depois de tentar, pesquise na internet.)

§60-16. Se f(x) = cosx, ache f’(x).

§60-17. Se f(x) = tanx, ache f’(x).

§60-18. Se f(x) = secx, ache f’(x).

§60-19. Se f(x) = cotx, ache f’(x).

§60-20. Se f(x) = cscx, ache f’(x).

§60-21. Se f(x) = senx2, ache f’(x). (Use a regra da cadeia, com y = h(x) = x2 e g(y) = seny.)

§60-22. Diferencie (x + 3)2.

§60-23. Diferencie √(x2 + 7).

§60-24. Diferencie 1/√x.

§60-25. Calcule [√x]’, mas desta vez use a regra da cadeia; faça g(x) = x2.

§60-26. Prove que f(x) = |x| é contínua em x = 0.

§60-27. Prove que, embora f(x) = |x| seja contínua em x = 0, não pode diferenciá-la em x = 0.

Sugestões de resposta na seção 69.


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{61}/ A prova dos seis teoremas

Prova do teorema §59-1. Se h(x) = f(x) + g(x), escolha um infinitésimo ϖ qualquer, positivo ou negativo, e daí, usando as definições:

expr 13

Ao derivar funções polinomiais, portanto, pode derivar cada uma das parcelas separadamente; a derivada da função será a soma das derivadas.

Prova do teorema §59-2. Escolha um infinitésimo ϖ qualquer, positivo ou negativo, e use as definições.

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Mas, se adicionar f(b) a f(b + ϖ) e depois tirar f(b) de f(b + ϖ), permanece com f(b + ϖ). Logo, pode reescrever f(b + ϖ) e g(b + ϖ) assim:

expr 15

Use essa informação para retomar a sequência anterior.

expr 16

Por um tempo, Leibniz acreditou que h’(b) = f’(b)g’(b), que é uma expressão mais limpa e bonita. Não demorou muito para perceber que, nesse caso, boniteza não punha o pão na mesa, pois as contas não davam certo. Atacou o problema outras vezes, de várias maneiras, mas precisou de uns poucos anos até resolvê-lo em definitivo. Isso mesmo: anos!

Prova do teorema §59-3. Escolha um infinitésimo ϖ qualquer, positivo ou negativo. Daí, se f é diferenciável em b e se f(b) ≠ 0:

expr 17

Deve ter notado que está usando bastante os teoremas da seção 22. Se julgar necessário, estude essa seção mais uma vez.

Prova do teorema §59-4. O que deve fazer neste caso é simplesmente usar os teoremas §59-2 e §59-3; basta que veja h como um produto de funções: h(x) = f(x) · [1/g(x)].

expr 18

Prova do teorema §59-5. Quando você vê a prova deste teorema pela primeira vez, não entende muito; depois se esforça e entende. Uns meses depois, quando vê a prova pela segunda vez, a história se repete. E talvez se repita mais algumas vezes. Ora, se é difícil entender a prova desse teorema, imagine o trabalho danado que deve ter sido prová-lo pela primeira vez. (O mérito é atribuído a Leibniz, que certamente produziu uma prova sozinho, mas historiadores ainda discutem a primazia.)

Comece escolhendo um infinitésimo ϖ, positivo ou negativo. E vá direto para a definição da derivada de h no ponto em que x = b:

expr 19

Tem de tomar cuidado aqui, pois a expressão é quase igual à que viu na definição §57-1, com esta diferença: o infinitésimo que usou no dividendo, que é 𝕯f, não é o mesmo que usou no divisor, que é ϖ. É por isso que deve manejar a expressão da última linha com extremo cuidado.

Do teorema §57-1, f é contínua em x = b, e por isso 𝕯f ou é um infinitésimo ou é zero. [A ideia é que f(b + ϖ) ≈ f(b), visto que f é contínua em b, e por isso a diferença entre ambos ou é um infinitésimo ou é zero.]

Antes de continuar, precisa compreender um ponto: pode ver 𝕯h(b) = 𝕯g[f(b)]. Veja o porquê:

expr 21

Voltando. Suponha que 𝕯f é zero; então 𝕯h também é, e assim escreva:

expr 20

 

Uma coisa boa do zero é que você pode transformá-lo na expressão que bem entender, pois qualquer coisa vezes zero é zero.

Suponha agora que 𝕯f é um infinitésimo positivo ou negativo, mas não nulo. Visto que 𝕯h = 𝕯g, você obtém:

expr 22

QED.

Muita gente precisa de ajuda para ver o que aconteceu na passagem da quarta para a quinta linha, e talvez esse seja seu caso. Faça, como antes, 𝕯f(b)= f(b + ϖ) – f(b) e, além disso, faça também f(b) = u. Daí substitua:

expr 23

Professores dizem que muito estudante só entende uma demonstração como essa se recorre ao truque de substituir variáveis, como fez com f(b) = u. Fica a dica.

Prova do teorema §59-6. O jeito mais simples de provar esse teorema é recorrer ao teorema binomial. (Do qual há várias boas provas na internet.) Por meio dele, você pode dizer: as linhas a seguir, nas quais x e y são números reais, são válidas para todo n inteiro positivo.

expr 24

Escolha um infinitésimo ϖ, positivo ou negativo, parta do pressuposto de que o teorema binomial é válido, e use as definições para y = f(x) = rxn. Veja o que obtém:

expr 25

Como pode justificar a implicação na última linha? Bem, neste caso f é uma função polinomial — e você pode definir uma função polinomial para todo valor real de x. (O domínio de f é ℝ.) Visto que a derivada de f também é uma função polinomial, também pode defini-la para todo valor real de b, inclusive b = x.

Segunda prova do teorema §59-6. Eis uma prova por contradição, na qual você não precisa invocar o teorema binomial.

Suponha que o teorema §59-6 é falso. Daí, para algum valor inteiro positivo de n, a derivada de rxn não é nrxn–1. Chame de k o menor de tais valores de n, isto é, a derivada de rxk não é krxk–1, mas a derivada de rxk-1 é (k – 1)rxk–2. Com o que viu na seção 57, já sabe que k > 1, pois já provou que o teorema é válido para k = 0 [se f(x) = r, f’(x) = 0, que é 0 · r · x0–1] e para k = 1 [se f(x) = rx, f’(x) = r, que é 1 · r · x1–1]. Daí k – 1 < k, e o teorema tem de ser válido para rxk–1, de modo que a derivada de rxk–1 é (k – 1)rxk–2. Use então essa informação, pois, se faz g(x) = rxk–1 e h(x) = x, tem como invocar o teorema §59-2 e escrever:

expr 26

Visto que a última linha contradiz a pressuposição inicial (“o teorema §59-6 é falso”), então deve dizer que a negação da pressuposição inicial é verdadeira: “O teorema §59-6 é verdadeiro.”

Exercício §61-1. Prove que, para x ≠ 0 e n inteiro positivo, a derivada de rxn é –nrxn–1. Dica: faça xn = 1/xn e use os teoremas §59-3 e §59-6. Depois compare sua prova com a sugestão na seção 69.


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{62}/ Máximos, mínimos, e valores médios

É hora de estudar a prova de dois teoremas importantes no cálculo: [1] o teorema da derivada igual a zero em máximos ou mínimos; e [2] o teorema do valor médio. São dois teoremas difíceis, mas vale a pena estudá-los à exaustão.

Engenheiros e especialistas em matemática aplicada usam o primeiro teorema numa quantidade muito grande de problemas práticos e teóricos. Quanto ao segundo teorema (que é, na verdade, um corolário do primeiro), matemáticos usam-no como ponto de partida para a prova de mais de uma dúzia de teoremas importantes, entre eles:

1. O teorema de Taylor. É uma generalização do teorema do valor médio, com a qual você demonstra como pode calcular o valor aproximado de uma função (com erro de aproximação tão pequeno quanto deseje) por meio de polinômios infinitos.

2. Uma generalização diferente do teorema do valor médio, escrita por Cauchy, com a qual demonstra a regra de L’Hospital.

3. Uma terceira generalização, com a qual define bem precisamente a enésima derivada de uma função para qualquer inteiro positivo n.

4. O teorema com o qual responde à questão: “Se f’(x) é zero para todo valor de x, será que f(x) é constante?”

5. Metade da prova do teorema fundamental do cálculo, que você vai estudar no próximo capítulo desta série.

6. O teorema de Darboux.

7. O teorema com o qual você descreve, muito sucintamente, as funções f que têm função derivada f’ contínua.

* * *

Pense no seguinte problema: a função y = f(x) = x3 + 2x2 + x + 1 é contínua no intervalo [–3/4, –1/4]. Examine agora uma plotagem da curva de f nesse intervalo:

tgraph.cgi

Figura §62-1

 

Basta inspecionar a figura §62-1 para ver que a curva de f atinge um mínimo; de fato, como já viu ao provar o teorema §31-2, f tem de assumir um mínimo em algum valor de x entre x = –3/4 e x = –1/4.

Problema. Ache o valor de x no qual f atinge um mínimo nesse intervalo.

Tente propor um problema como esse para um estudante que já sabe mexer com polinômios, mas que ainda não sabe nada sobre cálculo, e veja como se debate — pois, sem o cálculo, o problema é difícil. Para você, contudo, é bem mais fácil: visto que f é uma função polinomial, e assim derivável em toda parte, a curva de f assume um mínimo num ponto em que sua derivada f’ vale zero, isto é, num ponto em que o gradiente é zero.

Cálculo_3D

Figura §62-2

Ora, com o que já sabe, use o teorema §59-6 para calcular de cabeça a derivada de f:

expr 27

Iguale f’(x) a zero e, com Bháskara, ache as duas raízes da equação.

expr 28

Desses dois pontos, apenas x = –1/3 faz parte do intervalo [–3/4, –1/4], de modo que (–1/3, 23/27) é o ponto na curva de f na qual f atinge o menor valor no intervalo [–3/4, –1/4]. Esse método não parece natural?

Matemáticos como Leibniz, Newton, Taylor, e Fermat usaram essa ideia (num máximo ou mínimo, a derivada de uma função derivável tem de ser zero) muito antes que alguém pudesse prová-la para além de qualquer dúvida, o que aconteceu uns 200 anos depois. É o que você vai provar agora.

Teorema §62-1. “Teorema dos máximos ou mínimos.” Presuma que y = f(x) é uma função diferenciável no intervalo aberto (a, b), e que, num ponto c pertencente a (a, b), f assume um máximo ou um mínimo. Daí f’(c) = 0.

Prova. Primeiro, presuma que f(c) é um máximo. Visto que f(c) é um máximo, pode declarar como válida a linha a seguir, na qual ϖ é um infinitésimo positivo ou negativo.

expr 29

Pense agora em ϖ como um infinitésimo positivo, de modo que a figura §62-2 e a expressão no formulário a seguir sejam válidas.

expr 30

Formulário §62-1

Cálculo_4A

Figura §62-2

Uma pausa para entender por que a expressão é válida. Bem, [f(c ϖ) – f(c)]/ϖ é ≤ 0, pois f(c) é um máximo e ϖ é positivo. Só que [f(c ϖ) – f(c)]/ϖ não corresponde à definição de derivada, pois está usando um infinitésimo no dividendo, que é –ϖ, e outro no divisor, que é ϖ. Para corrigir isso, multiplique o infinitésimo no divisor por –1; daí obtém uma expressão condizente com a definição de derivada, mas com o sinal trocado, isto é, obtém uma expressão ≥ 0.

Continuando:

expr 31

Para ver por que isso é verdade, multiplique toda a expressão no formulário §62-1 por ϖ e depois por –1 (o que inverte as desigualdades); fica com f(c) – f(c + ϖ) ≥ 0 ≥ f(cϖ) – f(c), isto é, fica com o zero entre dois hiper-reais; cada um deles ou é um infinitésimo ou é zero, conforme o formato da curva. Visto que f é diferenciável, por definição sabe que, ao dividir os os dois infinitésimos por ϖ, vai obter o mesmo número hiper-real — só que com o sinal trocado. Daí o valor padrão das duas expressões é o único número real infinitamente próximo das duas expressões na desigualdade acima deste parágrafo, e esse número só pode ser zero. Por meio de um argumento similar, você prova o caso em que f(c) é um mínimo, e com isso prova o teorema.

Teorema §62-2. “Teorema do valor médio.” Presuma que f(x) é diferenciável no intervalo aberto (a, b). Daí, para algum c em (a, b), a expressão a seguir é verdadeira.

expr 32

Prova. Esse teorema é, no fundo, uma versão rotacionada do teorema anterior, como vê na figura §62-3.

Cálculo_4B

Cálculo_4D

Figura §62-3: A curva de baixo é uma versão rotacionada da curva de cima.

Note que a expressão a seguir é o gradiente da reta secante AB.

expr 33

Se você, na imaginação, rotaciona a curva de f, de modo que a reta AB se confunda com o eixo X (como vê na figura §62-3), daí o que deve procurar é um número real c tal que R’(c) = 0 na função rotacionada R(x). [Na verdade, para ser preciso, na transformação R : f(x) ↦ R(x); nada garante que, com a rotação, você continuará tendo uma função, já talvez um elemento do domínio passe a levar a mais de um elemento na imagem, mas certamente terá uma transformação diferenciável.] Daí, pelo teorema §62-1, esse número c será parte de um ponto em (a, b) onde R assume um máximo ou um mínimo.

Então, o que deve fazer é deixar essa ideia bem precisa. Dada a função f(x), defina R(x) assim:

expr 34

Note que a derivada de R é:

expr 35

Sabe isso graças ao teorema §59-1 e ao exemplo que estudou na seção 57. Assim, diga que R é a versão rotacionada de f. Faça c um ponto no qual R assume um máximo ou um mínimo. Se a < c < b, o teorema anterior diz que R’(c) = 0, isto é, diz o seguinte:

expr 36

Agora, caso tanto o máximo quanto o mínimo de R(x) ocorram nos pontos extremos a e b, veja o que acontece:

expr 37

Isso quer dizer que o valor máximo de R é igual ao valor mínimo em [a, b], de modo que R tem de ser uma função constante em [a, b], como pode ver na figura a seguir.

Cálculo_4C

Figura §62-4

Mas, se for assim, daí R’(c) = 0 para qualquer c no intervalo aberto (a, b). Em qualquer um desses casos, declare como válida a expressão a seguir:

expr 36

E com isso o teorema está provado.

Esses dois teoremas têm três aplicações interessantes, que formam, de fato, um corolário deles dois.

Corolário §62-1. Presuma que f é diferenciável em [a, b]. Daí:

(1) Se f’(x) = 0 para todo x em [a, b], f é constante.

(2) Se f’(x) > 0 para todo x em [a, b], f é monótona, estritamente crescente, e nunca é constante.

(3) Se f’(x) < 0 para todo x em [a, b], f é monótona, estritamente decrescente, e nunca é constante.

Prova. Pense em dois números c, d do intervalo [a, b], com c < d. Pelo teorema do valor médio, existe um número q entre c e d tal que:

expr 38

Logo, f’(q)(dc) = f(d) – f(c). Se f’(x) é sempre zero, daí f(d) – f(c) é sempre zero, isto é, f(d) = f(c) para quaisquer dois desses números c, d em [a, b]. Com isso, você prova a afirmação (1). Note que a afirmação (1) é a recíproca de outra que já provou na seção 58: se f é uma função diferenciável e f(x) = k para todo x no domínio de f, daí f’(x) = 0.

Se f’(x) é sempre positiva, daí f(d) – f(c) > 0 e f(d) > f(c). Com isso, prova a (2).

Por fim, se f’(x) é sempre negativa, daí f(d) – f(c) < 0 e f(d) < f(c). Com isso, prova a (3).


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{63}/ Lista de problemas

§63-1. Estude a função f(x) = x|x|. (a) Prove que, para x > 0, f’(x) = 2x. (b) Prove que, para x < 0, f’(x) = –2x. (c) Prove que f’(0) = 0.

§63-2. Prove que não pode derivar f(x) = 2|x| em x = 0.

Definição §63-1. “Como denotar a enésima derivada de uma função.” Dada uma função diferenciável f, talvez sua função derivada f’ também seja diferenciável. E dada uma função diferenciável f’, talvez sua função derivada f’’ também seja diferenciável. Em casos assim, pode denotar a segunda derivada de f com f’’ ou f(2); a terceira derivada de f com f’’’ ou f(3); e a enésima derivada de f com f(n). Além disso, usando notação de Leibniz:

expr 39

§63-3. Se h(x) = f(x)g(x) é uma função infinitamente diferenciável, parta do teorema §59-2 e proponha uma expressão para h(n)(x); use indução matemática para prová-la correta. (Se Leibniz conseguiu, você também consegue.)

§63-4. Você tem diante de si o gráfico da parábola y = f(x) = ax2 + bx + c, expressão na qual a, b, c são coeficientes reais, com a ≠ 0. Como pode produzir a fórmula com a qual calcular as coordenadas do vértice da parábola?

§63-5. Em várias das demonstrações até aqui, você pensou num intervalo aberto (a, b), e destacou um número c desse intervalo. Para algum infinitésimo ϖ, positivo ou negativo, explique mais uma vez por que c + ϖ faz parte do intervalo.

§63-6. Presuma que a função f(x) = logx está bem definida e tem uma função derivada f’(x). Como poderia provar que f’(x) = k/x para alguma constante k? (Esse é difícil; tente resolvê-lo sozinho, e depois pesquise na internet.)

§63-7. Considere a função a seguir:

expr 40

(a) Prove que f é descontínua para todo x ≠ 0. (b) Prove, contudo, que f é diferenciável em x = 0.


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{64}/ Yoda: “De uma função derivável, nem sempre a derivada derivável é.”

A função a seguir está entre os exemplos mais simples de uma função diferenciável em toda parte, mas cuja função derivada, embora esteja definida para todo valor de x, é descontínua, isto é, não é diferenciável em toda parte.

expr 41

Usando os teoremas: x2, senx são diferenciáveis para todo valor de x, e 1/x é diferenciável para todo valor de x ≠ 0. Logo, sen(1/x), que é uma concatenação de funções, é diferenciável para todo x ≠ 0, e x2sen(1/x), que é um produto de funções, também é diferenciável para todo x ≠ 0.

Como pode descobrir o comportamento de f quando x = 0? Use a definição de derivada; nas linhas a seguir, ϖ é um infinitésimo positivo ou negativo.

expr 42

Diga que a última linha vale porque –1 ≤ sen(1/ϖ) ≤ 1, e quando você multiplica um número hiper-real finito por um infinitésimo, obtém um infinitésimo. Além disso, visto que a última linha vale para qualquer infinitésimo ϖ, positivo ou negativo, daí escreva:

expr 43

Já pode calcular a expressão completa para a função derivada f’.

expr 44

É hora de provar que a função f’ acima é descontínua em x = 0. Já fez algo parecido com isso ao resolver o problema §32-2. Se pensa em N como um hiper-real inteiro infinito, sabe que sen0 = 0, logo sen(0 + 2πN) = sen(2πN) = 0; além disso, cos0 = 1, logo cos(0 + 2πN) = cos(2πN) = 1. Faça daí ϖ = 1/(2πN). Explore a consequência lógica de tais decisões:

expr 45

Se f’ fosse contínua em x = 0, para todo hiper-real ϖ infinitamente próximo de 0, f’(ϖ) deveria estar infinitamente próximo de f’(0). Mas, como viu, se faz ϖ = 1/(2πN), daí ϖ ≈ 0, mas f’(0) = 0 ≉ f’(ϖ) = –1, e com isso prova que, embora possa derivar f para todo valor de x, e embora a função derivada f’ esteja definida para todo valor de x, não tem como derivar f’ para todo valor de x, pois é descontínua em x = 0.

Em palavras: “Nem sempre a função derivada de uma função derivável é derivável.” O jeito Yoda de dizer isso é bem mais legal.

O teorema de Darboux, que não vai estudar aqui, diz o seguinte: “Se f é diferenciável, então f’ tem a propriedade de Darboux.” Lembrete: se uma função g tem a propriedade de Darboux no intervalo fechado [a, b], os elementos da imagem assumem todos os valores entre g(a) e g(b). Portanto, se f é diferenciável em [a, b], o máximo que você pode dizer de f’ é que assume todos os valores entre f’(a) e f’(b), já que f’ talvez não seja diferenciável, e talvez nem mesmo seja contínua.


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{65}/ A aplicação clássica: distância e velocidade

Você sempre usa a ideia de derivada, mesmo que não perceba, quando fala de velocidade. Imagine um carro que percorre uma estrada reta. A certa altura, você estabelece um ponto de referência O, e passa a medir a distância do carro até O conforme o tempo, de modo que, dado um tempo t, a distância do carro até O é s(t). Se plotar isso num gráfico da distância pelo tempo, terá algo mais ou menos como a figura §65-1 a seguir.

Cálculo_5A

Figura §65-1

Com o gráfico, está mostrando a seu leitor que o carro se afasta e se aproxima de O conforme vai e vem pela estrada reta.

Daí, em determinado t = t0, qual é a velocidade do carro?

Como já viu na seção 42, é bem provável que a velocidade do carro varie o tempo todo, talvez aos trancos e barrancos, talvez suavemente. Assim, você não pode simplesmente pegar um outro tempo t = t1 e calcular a velocidade média do carro no intervalo de tempo t1t0:

expr 46

Veja agora o gráfico na figura §65-2. Se a expressão acima é igual à velocidade média, também é igual ao gradiente da reta secante PQ, e, como o gráfico deixa claro, talvez a velocidade média não seja igual à velocidade instantânea em t0, e talvez ainda seja muito diferente.

Cálculo_5B

Figura §65-2

Agora, se fizer o tempo t1 infinitamente próximo de t0, de modo que a velocidade média esteja infinitamente próxima da velocidade instantânea em t0, daí você pode calcular a velocidade do carro em t0 assim:

expr 47

Em palavras: a velocidade instantânea em t0 é a derivada da função posição s(t) em t = t0. Físicos dizem isso mais simplesmente: “A derivada da posição é a velocidade.” Essa ideia faz todo o sentido: se você mede a posição em quilômetros, e o tempo em horas, a unidade de s’(t) será em quilômetros por hora, pois uma derivada é sempre no formato “unidades no eixo das ordenadas por unidade no eixo das abscissas”. Se a derivada s’(t0) = 0, isto é, se a velocidade é zero quando t = t0, o carro não está mudando de posição — não está indo a lugar nenhum, como convém a um carro cuja velocidade é zero.

Em tempo: A derivada da velocidade é a aceleração, e a derivada da aceleração é a arrancada. Em inglês, arrancada é jerk, que também significa “idiota” ou “babaca”. Por isso as camisetas onde se lê:

Don’t be a a’(t).


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{66}/ O quebra-cabeça das funções inversas

Os teoremas §62-1 e §62-2, e o corolário §62-1 têm outro corolário importante:

Corolário §66-1. “O teorema da função inversa.” Suponha que f é diferenciável e que ou f’(x) > 0 no intervalo fechado [a, b], ou f’(x) < 0 em [a, b]. Daí f tem uma função contínua inversa g, que você pode definir perfeitamente entre f(a) e f(b); além disso, para todo y = f(x) nesse intervalo:

expr 48

Lembrete 1: Das aulas de geometria analítica, sabe que g é função inversa de f se, para todo x no domínio de f, f(x) = y implica g(y) = x, isto é, f(g(y)) = y e g(f(x)) = x para todo x e y nos conjuntos domínio e imagem apropriados.

Lembrete 2: Se f’(x) > 0 em [a, b], f é estritamente crescente em [a, b]; e se f’(x) < 0 em [a, b], f é estritamente decrescente em [a, b].

Prova do corolário. Pelo teorema §57-1, f é contínua. Assim, para todo y entre f(a) e f(b), pelo teorema do valor intermediário existe no mínimo um x entre a e b tal que f(x) = y. Visto que f nunca é constante pelo corolário §62-1, existe então só um valor de x tal que f(x) = y. Defina g(y) como sendo esse valor único de x, isto é, x = g(y). Com tal definição, você tem:

expr 49

Logo, diga que g é sem dúvida a inversa de f. [Usando uma notação bastante comum: g = f–1.]

Para demonstrar que g é uma função contínua, suponha que y é um número real qualquer entre f(a) e f(b), e que h é um hiper-real infinitamente próximo de y, isto é, hy. Daí, se g(h) ≉ g(y), tem de existir um número real r entre x = g(y) e q = g(h). Daí f(r) é um número real entre y = f(g(y)) e h = f(g(h)), pois f é monótona. Mas, dado que yh, não pode haver um número real entre y e h. Assim, não pode haver um número real entre g(y) e g(h), de modo que g(y) ≈ g(h), e com isso você prova que g é contínua.

Por fim, para descobrir uma expressão para g’(y), comece com um infinitésimo ϖ qualquer, positivo ou negativo. Faça x = g(y), e portanto faça y = f(x); depois disso, faça ϖ2 = g(y + ϖ) – g(y). Visto que g é contínua, ϖ2 também é um infinitésimo. Daí eis o que obtém:

expr 50

E com isso você conclui a prova.

Ao trabalhar com gráficos, você obtém a curva inversa da curva de f ao usar a linha reta y = x para refletir a curva de f; pense na linha y = x como a linha de um espelho. Para fazer isso, eis o método: correlacione cada ponto P = (x, f(x)) na curva de f com o ponto P’ = (f(x), x) na curva g inversa de f. Fazendo isso, o segmento de reta PP’ fica perpendicular à linha reta y = x, e a linha reta y = x intercepta o segmento PP’ bem no ponto médio. É o que pode ver na figura §66-1 a seguir. Por esse método, fica fácil entender por que, se a curva de f é contínua, a curva inversa de f também é.

Cálculo_5C

Figura §66-1


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{67}/ Lista de problemas

§67-1. Verifique se x2 e √y são funções inversas.

§67-2. Verifique se 2x – 5 e (1/2)(y + 5) são funções inversas.

§67-3. Verifique se 10x e log10y são funções inversas.

§67-4. Verifique se xn e y(1/n) são funções inversas.

§67-5. Ache a inversa de x + 7.

§67-6. Ache a inversa de 3x – 1.

§67-7. Ache a inversa de x3.

§67-8. Ache a inversa de xx.

§67-9. Use o problema §67-4 para provar que a derivada de g(y) = y(1/n) é g’(y) = (1/n)y(1/n)–1.

§67-10. Use o problema §67-9 e os teoremas §59-5 e §59-6 para provar que a derivada de xn/m é (n/m)x(n/m)–1. (É preciso dizer que n, m são inteiros, com m ≠ 0?)

Observação sobre o problema a seguir (§67-11): No intervalo aberto (0, π), a derivada de y = f(x) = cosx é negativa, e portanto cosx tem uma função inversa, que em geral o matemático denota com x = g(y) = arccosy ou x = g(y) = cos–1y. Usando o teorema da função inversa, eis o que pode descobrir:

expr 51

§67-11. Ache um intervalo no qual existe a função inversa de senx, e calcule a derivada de sen–1y.

§67-12. Ache um intervalo no qual existe a função inversa de tanx, e calcule a derivada de tan–1y.

Sugestões de resposta na seção 69.


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{68}/ A equação da reta tangente

Eis uma pergunta importante, pois vai usar a resposta numa quantidade enorme de situações práticas: Qual é a equação completa da reta tangente a f no ponto x = b? (Supondo, é claro, que f seja diferenciável em b.) Pode ver na figura §68-1 o que está procurando.

Cálculo_5D

Figura §68-1

Chame a linha reta que está procurando de g. Logo, a equação completa da reta tangente a f no ponto b é:

expr 52

Quando x = b, f(b) = g(b); use essa informação para calcular o valor de C.

expr 53

Com isso, ponha no papel a equação completa da reta g tangente a f no ponto x = b.

expr 54

Às vezes, o matemático se refere à função g com as palavras “a linearização de f em b”. Eis uma aplicação simples e útil da linearização de f em b:

expr 57

Olhe a figura §68-2 para entender melhor a utilidade dessa aplicação: se gostaria de saber como f se comporta logo à direita ou logo à esquerda de b (está pensando em b ± Δx para algum Δx positivo), basta que multiplique f’(b) por ±Δx. Obterá uma estimativa próxima da variação verdadeira Δf = f(b ± Δx) – f(b), e quanto menor o valor que atribui a Δx, mais próxima fica a estimativa da variação verdadeira.

Cálculo_6A

Figura §68-2

Isso significa que, se sabe posição e a velocidade de um foguete no tempo x = b, multiplique a velocidade por um Δx bem pequeno, tipo 1 segundo, e terá boa ideia da posição do foguete 1 segundo depois de b.

Lembrete. Com b ± Δx, você denota duas expressões: b + Δx ou bΔx. Aliás, se quiser, pode pronunciar b ± Δx assim: “Bê mais delta xis ou bê menos delta xis.” Atenção à palavra “ou”. Se diz que b ± Δx é a solução de uma equação, diz que tanto b + Δx sozinha quanto bΔx sozinha resolve a equação. Se usasse a palavra “e”, o que é um erro, estaria dizendo que, para resolver a equação, precisa ao mesmo tempo de b + Δx e também de bΔx.

* * *

Tangentes verticais. Considere a curva de y = f(x) = 5√(2 – x); é a que vê na figura §68-3 mais abaixo. A derivada f’ de f é:

expr 55

Bem, f’(2) não existe, pois não se pode dividir nada por zero. Mas, caso faça x = 2 + ϖ para algum infinitésimo ϖ negativo, daí x ≈ 2 e, além disso:

expr 56

Nessa expressão, com –N você denota um hiper-real negativo infinito. Numa sala de aula comum, o professor diria que, quando x tende a 2 pela esquerda, a expressão de f’(x) tende ao infinito negativo, e neste caso isso significa que a derivada de f não existe. [Quanto a você, que conhece o sistema dos números hiper-reais, diga que não pode atribuir um valor real a um hiper-real infinito, e portanto não pode atribuir um valor real a f’(2).]

Isso não significa que não existe uma reta tangente a f no ponto x = 2, pois ela existe: é a reta vertical x = 2.

Cálculo_6B

Figura §68-3

Como vê, deve tomar esse cuidado: se verifica que x = b pertence ao domínio de f, mas ao calcular 𝕯f(b)/𝕯x obtém um hiper-real infinito, quase sempre é porque a reta tangente a f em b é vertical. (Existem outros casos, mas são assunto para outro dia.)


Cálculo_7


 

{69}/ A resolução dos problemas

Em todas as resoluções a seguir, ϖ denota um infinitésimo positivo ou negativo — a não ser que o redator dê aviso em contrário.

§60-1. Se f(x) = x2 e a = 3, ache f’(a).

Resolução. Eis como devem ficar suas contas:

expr 58

Em palavras: quando x = 3, f está crescendo à taxa instantânea de 6 unidades por unidade.


 

§60-2. Se f(x) = 5 – x2 e a = –1, ache f’(a).

Resolução. De uma vez:

expr 59


 

§60-3. Se f(x) = x2 e a = 2, ache f’(a).

Resolução. As notas são:

expr 60

Em palavras: quando x = 2, f está crescendo à taxa instantânea de 4 unidades por unidade.


 

§60-4. Se f(x) = 2x4 – 3x2 + 1 e a = 0, ache f’(a).

Resolução. Use a definição de derivada e tome cuidado com as contas.

expr 61

Veja no gráfico a seguir como f atinge um máximo local quando x = 0. (Máximo local é um máximo no entorno daquele local, e não um máximo global, isto é, o maior valor que f possa atingir.)

save

Em palavras: quando x = 0, f não está nem crescendo nem decrescendo.


 

§60-5. Prove que, se f e g são diferenciáveis em b, e se h(x) = f(x) – g(x), daí h é diferenciável em b e h’(b) = f’(b) – g’(b).

Resolução. O que deve fazer é usar as definições com cuidado e paciência:

expr 62

Da terceira para a quarta linha, o que fez foi multiplicar o quociente à direita por (–1)/(–1); isso é a mesma coisa que multiplicá-lo por 1, e não altera seu valor.


 

§60-6. Ache um exemplo de funções f e g tais que, se h = fg, então existe um x = b tal que h’(b) ≠ f’(b)g’(b).

Resolução. Não precisa ir longe: faça f(x) = x e g(x) = x2. Agora, se h(x) = f(x)g(x), e se fosse o caso de que h’(x) = f’(x)g’(x), daí h’(x) = 1 · 2x = 2x. Mas h(x) = x3, e pelo teorema §59-6 h’(x) deveria valer 3x2.

Com a regra do produto de duas funções (teorema §59-2), contudo, você obtém o resultado correto:

expr 63


 

§60-7. Se h(x) = kg(x), onde k é uma constante real e h, g são diferenciáveis em x = b, daí h’(b) = kg’(b).

Resolução. Faça f(x) = k, e h(x) = f(x)g(x). Daí aplique o teorema §59-2: h’(b) = f’(b)g(b) + f(b)g’(b). Ao estudar o exemplo 1, já viu que f’(x) = 0 para todo valor de x. Logo, h’(b) = f(b)g’(b) = kg’(b).


 

§60-8. Ache a derivada de f(x) = √x em qualquer ponto no qual x > 0.

Resolução. Use as definições e o que sabe de álgebra.

expr 64

Com isso, você não apenas prova que, para todo x > 0, [√x]’ = 1/(2√x); você também prova que √x é diferenciável para todo x positivo.

Talvez tenha notado uma coincidência. Faça f(x) = √x = x(1/2) e aplique a f o teorema §59-6 como se pudesse aplicá-lo a expoentes fracionários.

expr 65

Quando resolver o problema §67-9, verá que isso não é mera coincidência.


 

§60-9. Se f(x) = x, ache f’(x).

Resolução. Faça x = x1 e aplique o teorema §59-6: [x1]’ = 1 · x(1–1) = 1 · x0 = 1 · 1 = 1. (Pode aplicar o teorema porque tem como definir f para todo valor de x.) Se aplicasse a definição de derivada para x = x chegaria ao mesmo resultado:

expr 66

Aplicar um teorema é quase sempre mais fácil que aplicar a definição de derivada desde o comecinho.


 

§60-10. Se f(x) = x2, ache f’(x).

Resolução. Já sabe que pode definir f para todo valor de x. Aplique mais uma vez o teorema §59-6: f’(x) = 2x(2–1) = 2x. Logo, [x2]’ = 2x. Talvez queira provar esse resultado não com o teorema, mas a partir da definição de derivada.

expr 67

Atenção a uma sutileza: quando aplica a definição de derivada, está provando que pode derivar f(x) = x2 para todo valor de x. Quando aplica o teorema §59-6, mas sem antes provar que f é derivável para todo valor de x, está partindo do pressuposto de que f é derivável para todo valor de x. Cuidado. Nem sempre é o caso.


 

§60-11. Se f(x) = 7x2 – 2x + 3, ache f’(x).

Resolução. Você sabe que pode derivar cada uma das parcelas do polinômio em todo valor de x. É tão fácil recorrer ao teorema da derivada de uma adição de funções (§59-1) e ao teorema da derivada de uma potência de x (§59-6):

expr 68

Note que, se quiser, também pode derivar a última parcela com o teorema §59-6: faça 3 = 3x0; daí [3]’ = [3x0]’ = 0 · 3 · x(0–1) = 0.


 

§60-12. Se f(x) = x2x, ache f’(x).

Resolução. Com o problema §60-8, você descobriu que [√x]’ = 1/(2√x). Com o problema §60-10, viu que pode derivar x2 em todo valor de x. Sabendo isso, só precisa usar o teorema sobre a derivada de um produto de funções:

expr 69

Um problema: para que a segunda linha seja válida, x tem de ser maior que zero. Pode resolvê-lo com facilidade: diga que, se x > 0, [x2x]’ = (5/2)xx. Notou a diferença entre “a verdadeira derivada” e “uma expressão arrumadinha para a verdadeira derivada”?


 

§60-13. Se f(x) = 1/x, ache f’(x).

Resolução. Com o exemplo 1, já viu que pode diferenciar a função y = x em todo valor de x; além disso, se x ≠ 0, então 1/x ≠ 0. Agora basta usar o teorema §59-3 sobre o recíproco de uma função.

expr 70

Em outras palavras, se x ≠ 0, f(x) = 1/x implica f’(x) = –x–2. Presuma agora que, se quisesse, poderia ter usado o teorema §59-6 sobre a derivada de uma potência de x, só que uma potência negativa. Daí [x–1]’ = –1 · x–1–1 = –x–2. Se já resolveu o exercício §61-1, deve ter visto que isso não é mera coincidência.


 

§60-14. Se f(x) = x2/(3√x), ache f’(x).

Resolução. Com o que viu nos problemas anteriores e nos exemplos do texto, sabe que pode diferenciar x2 e 3√x em todo valor de x ≥ 0; além disso, pode definir x2/(3√x) em todo valor de x ≠ 0. Então faça x > 0 e invoque o teorema §59-4 sobre um quociente de funções.

expr 71

Tente obter esse resultado só com a definição de derivada, isto é, sem recorrer a nenhum dos teoremas §59-1 a §59-6; veja de quanto trabalho os teoremas te poupam.


 

§60-15. Se f(x) = senx, ache f’(x).

Resolução. Bem, pode definir f em todo valor de x. Para achar a derivada de senx em x = x, faça ϖ um infinitésimo positivo ou negativo:

expr 72

Na seção 25 (parte d’A extraordinária linha dos números hiper-reais), viu que st[(senϖ)/ϖ] = 1. Quanto a (cosϖ – 1)/ϖ, deve ser um infinitésimo; veja como conduzir uma prova por contradição.

Presuma que (cosϖ – 1)/ϖ não é um infinitésimo; logo, é um hiper-real infinito. E quanto ao produto a seguir?

expr 73

Sendo o produto de dois infinitos, deve ser um infinito. Contudo, pode trocar cos2ϖ por 1 – sen2ϖ. Veja o que acontece:

expr 74

Essa expressão está infinitamente próxima de –1, o que contradiz sua pressuposição inicial. Logo, (cosϖ – 1)/ϖ não é um hiper-real infinito, mas um infinitésimo, e está infinitamente próximo de zero. Assim, continuando:

expr 75

No gráfico a seguir, você pode acompanhar a dança entre a função senx e sua derivada, cosx. Veja como cosx = 0 nos pontos em que senx atinge um máximo ou um mínimo; veja como cosx é negativo quando o valor de senx está diminuindo, e como cosx é positivo quando o valor de senx está aumentando. Nesta dança entre senx e cosx, está muito do que você precisa saber sobre a arte de pegar uma função derivada e examiná-la para descobrir informações sobre a função original.

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Uma das muitas plotagens de sen(x) e de cos(x) que pode achar na internet


§60-16. Se f(x) = cosx, ache f’(x).

Resolução. Pode definir f para todo valor de x. Além disso:

expr 76

Veja abaixo a dança entre cosx (em preto) e –senx (em vermelho); especialmente, veja que –senx = 0 quando cosx atinge um máximo ou um mínimo.

save-9


 

§60-17. Se f(x) = tanx, ache f’(x).

Resolução. Bem, tanx = senx/cosx. Logo, você pode definir f sempre que cosx ≠ 0, isto é, sempre que x/2, com k inteiro ímpar. Se fizer isso, daí basta recorrer à regra da derivada de um quociente de funções (teorema §59-4) e ao resultado dos dois problemas anteriores.

expr 77

Pode usar qualquer uma das três expressões da última linha como derivada de tanx. Na plotagem a seguir, a função tanx está em preto, e sua derivada sec²x em vermelho.

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§60-18. Se f(x) = secx, ache f’(x).

Resolução. Mais uma vez, secx = 1/cosx; portanto, só pode definir f quando x/2, com k inteiro ímpar. Bem, faça x/2 e invoque a regra pela qual calcula a derivada do recíproco de uma função (teorema §59-3).

expr 78


 

§60-19. Se f(x) = cotx, ache f’(x).

Resolução. Agora, cotx = cosx/senx. Sabe que senx = 0 quando x = , com k inteiro. Logo, faça x e invoque a regra da derivada de um quociente de funções.

expr 79


 

§60-20. Se f(x) = cscx, ache f’(x).

Resolução. Bem, cscx é a mesma coisa que cosecx, e ambos são iguais a 1/senx. Portanto, pode definir a função f sempre que senx ≠ 0, isto é, sempre que x, com k inteiro; fazendo assim, invoque a regra da derivada do recíproco de uma função (§59-3).

expr 80


 

§60-21. Se f(x) = senx2, ache f’(x).

Resolução. Faça y = h(x) = x2 e f(x) = g(y) = seny. Daí pode definir f para todo valor de x, e, sendo assim, tudo o que tem a fazer é invocar a regra da cadeia (teorema §59-5).

expr 81

No gráfico abaixo, veja a dança entre sen (em preto) e de sua derivada 2xcos (em vermelho). Em palavras: quanto maior o valor de x, maior a magnitude da taxa instantânea de mudança de sen, pois mais velozmente a função sen oscila. Esse é um jeito de explicar por que o engenheiro, quando quer obrigar algum mecanismo a oscilar muito velozmente, tem de fornecer bastante energia ao mecanismo.

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§60-22. Diferencie (x + 3)2.

Resolução. “Diferencie” significa “ache a função derivada da função que tem em mãos” ou “ache uma expressão adequada para o coeficiente diferencial”. Bem, pode definir (x + 3)2 para todo valor de x; se fizer f(x) = x2 e g(x) = x + 3, daí f(g(x)) = (x + 3)2, e com isso invoque uma vez mais a regra da cadeia.

expr 82

Caso queira, pode expandir a expressão (x + 3)2 e diferenciar o polinômio x2 + 6x + 9 termo a termo.

expr 83


 

§60-23. Diferencie √(x2 + 7).

Resolução. Faça g(x) = √x e h(x) = x2 + 7. Daí f(x) = g(h(x)) = √(x2 + 7). Pode definir f para todo valor de x, já que o argumento da raiz nunca é negativo, isto é, x2 + 7 ≥ 7 para todo valor de x. Para achar a derivada de f, use a regra da cadeia e o que já descobriu no problema §60-8.

expr 84

Tanto pode usar o resultado da terceira linha quanto o da quinta linha, que é a expressão na terceira linha com o divisor “racionalizado”. Alguns professores ainda pedem ao aluno que “racionalize o divisor”, o que só faz sentido se o aluno pretende realizar contas à mão. Contudo, todo mundo usa calculadoras e computadores, e com frequência é mais fácil teclar a expressão não racionalizada na calculadora do que a expressão racionalizada. Além disso, se você fizer x = π, o divisor π2 + 7 é um número irracional, exatamente o que se quer evitar ao racionalizar o divisor… Em livros mais recentes, cada vez mais autores deixam as expressões como a da terceira linha — exceto se a expressão racionalizada for mais bonita, como é o caso do problema a seguir.


§60-24. Diferencie 1/√x.

Resolução. Em primeiro lugar, só pode definir 1/√x para x > 0. Use mais uma vez o resultado do problema §60-8 e a regra da derivada do recíproco de uma função (teorema §59-3). Eis o que deve obter:

expr 85

A expressão na última linha parece mesmo mais bonita que as expressões nas linhas anteriores.


 

§60-25. Calcule [√x]’, mas desta vez use a regra da cadeia; faça g(x) = x2.

Resolução. Faça, como o redator recomendou, g(x) = x2. Faça também f(x) = √x; não se esqueça de que f, a função na qual está interessado, só vale para x ≥ 0, visto que está trabalhando apenas com números reais. E por fim faça h(x) = g(f(x)) = (√x)2 = x. Já sabe que h’(x) = 1. Veja como pode prosseguir:

expr 86

Note que a expressão para f’ só vale quando x > 0. Isso não significa dizer que não existe uma reta tangente a f quando x = 0, porque ela existe: é a linha reta vertical x = 0, isto é, é o próprio eixo das ordenadas. Ambas compartilham o ponto (0, 0).

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§60-26. Prove que f(x) = |x| é contínua em x = 0.

Resolução. Antes de mais nada, ponha no papel, com mais detalhes, o que significa a função f.

expr 87

Logo, f(0) = 0. Bem, f é contínua em zero se, e somente se, 0 ≈ ϖ implica f(0) ≈ f(ϖ) para todo infinitésimo ϖ, positivo ou negativo. Se ϖ é positivo, f(ϖ) = ϖ ≈ 0 = f(0); e, se ϖ é negativo, f(ϖ) = –ϖ ≈ 0 = f(0). Assim, em qualquer um dos dois casos, para todo hiper-real ϖ infinitamente próximo de zero, f(0) está infinitamente próximo de f(ϖ), e portanto f é contínua em zero.

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§60-27. Prove que, embora f(x) = |x| seja contínua em x = 0, não pode diferenciá-la em x = 0.

Resolução. Para todo infinitésimo positivo ϖ:

expr 88

Da mesma forma, para todo infinitésimo negativo ϖ:

expr 89

Sendo assim, você não pode dizer que f é diferenciável em zero, pois, embora 𝕯f(0)/𝕯x seja um hiper-real finito não importa qual infinitésimo ϖ você escolha, o valor padrão de 𝕯f(0)/𝕯x varia conforme a escolha de ϖ.

Sutileza. Se quiser, diga que f(x) = |x| é diferenciável no intervalo (–∞, 0], assim como no intervalo [0, ∞). Pois f’(x) = –1 para todo x no intervalo (–∞, 0) e, além disso, f’(0) = –1 para todo infinitésimo ϖ negativo (f é derivável à esquerda de zero). Da mesma forma, f’(x) = 1 para todo x no intervalo (0, ∞) e, além disso, f’(0) = 1 para todo infinitésimo ϖ positivo (f é derivável à direita de zero). Apesar disso, visto que f não é diferenciável em x = 0, diga que f é diferenciável em todo x ≠ 0.


§63-1. Estude a função f(x) = x|x|. (a) Prove que, para x > 0, f’(x) = 2x. (b) Prove que, para x < 0, f’(x) = –2x. (c) Prove que f’(0) = 0.

Resolução. Se x > 0, f(x) = x2. Use a regra da derivada de uma potência inteira de x (teorema §59-6) e faça a conta de cabeça: f’(x) = 2x. Se x < 0, f(x) = –x2, e f’(x) = –2x. E se x = 0?

Estude primeiro o caso com um infinitésimo ϖ > 0.

expr 90

E agora o caso com um infinitésimo ϖ < 0.

expr 91

Visto que f’(0) = 0 para qualquer infinitésimo ϖ, positivo ou negativo, diga que f é diferenciável em zero. Eis como resumir o que sabe sobre f e f’ numa expressão só:

expr 92

Note que f’(x) nunca é negativo; isso quer dizer que f nunca é decrescente. (Você não deve dizer que f é sempre crescente, pois em x = 0 a função não cresce nem decresce, e por isso sua derivada vale zero. O certo é mesmo dizer que f nunca é decrescente, por mais esquisito que isso pareça para quem gosta de escrever com ousadia.)

save-4

A aparência de x|x|


 

§61-1. Prove que [rx–n]’ = –nrxn–1.

Resolução. Veja como talvez fiquem suas notas.

139

Em palavras: a regra da derivada de uma potência de x vale para expoentes inteiros negativos.


§63-2. Prove que não pode derivar f(x) = 2|x| em x = 0.

Resolução. Como já viu no problema §60-7, se f(x) = 2|x|, daí f’(x) = 2[|x|]’; e, como já viu no problema §60-27, não pode diferenciar |x| quando x = 0.


§63-3. Se h(x) = f(x)g(x) é uma função infinitamente diferenciável, parta do teorema §59-2 e proponha uma expressão para h(n)(x).

Resolução. A certa altura de suas notas, deve ter sentido a necessidade de adotar notação nova, para ajudá-lo a ver o que estava acontecendo e para evitar dezenas de xis entre parênteses. Adote, portanto, a seguinte notação:

expr 93

Assim, f0 significa que você não derivou a função f nenhuma vez; f5 significa que a derivou cinco vezes. (Isto é, tirou a derivada de f, a derivada da derivada, a derivada da derivada da derivada, etc.)

Eis como devem ficar suas notas ao fazer as contas para as primeiras cinco derivadas de h:

expr 94

Talvez tenha notado várias coincidências nessas linhas. Eis uma lista incompleta:

(1) A expressão para h0 tem uma parcela; a expressão para h1 tem duas parcelas; a expressão para h2 tem três parcelas; a expressão para h4 tem cinco parcelas; e a expressão para h5 tem seis parcelas. Suponha, portanto, que a expressão para hn deve ter n + 1 parcelas.

(2) O coeficiente da parcela na expressão para h0 está na linha zero do triângulo de Pascal. (Veja a figura logo abaixo.) Os coeficientes das duas parcelas na expressão para h1 estão na linha 1. Os coeficientes das três parcelas na expressão para h2 estão na linha 2. Os coeficientes das quatro parcelas na expressão para h3 estão na linha 3. Os coeficientes das cinco parcelas na expressão para h4 estão na linha 4. Os coeficientes das seis parcelas na expressão para h5 estão na linha 5. Suponha então que os coeficientes das n + 1 parcelas na expressão para hn estão na linha n do triângulo de Pascal.

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Lembrete. Os termos na enésima linha do triângulo de Pascal são os coeficientes binomiais a seguir, nos quais r = 0, 1, 2, 3, …, n.

expr 95

(3) Os índices superescritos de f e de g vão de n a 0 no caso de f e de 0 a n no caso de g. Assim, presuma que, no caso de hn, a enésima derivada de h, você vai trabalhar com fng0, fn–1g1, fn–2g2, …, f1gn–1, f0gn.

Com tudo isso, já pode pôr no papel sua conjectura de como calcular a enésima derivada de h.

expr 96

Agora, deve provar que sua conjectura é válida para todo n inteiro não negativo; recorra ao princípio da indução matemática. Como primeiro passo, prove que é válida quando n = 0.

expr 97

Ela é válida, pois partiu do pressuposto de que h(x) = f(x)g(x).

Agora vem o passo indutivo. Deve provar que, se a conjectura é válida quando n = k, então também é válida quando n = k + 1 (com k inteiro não negativo). Assim, ponha a conjectura no papel quando n = k.

expr 98

Tire a derivada de hk.

expr 99

Bem, pela regra da derivada de um produto de funções, cada parcela vai se transformar em duas parcelas. Nas linhas a seguir, pode ver as duplas dispostas em duas colunas, o que mais tarde vai tornar o pensamento mais fácil.

expr 100

Note que pode adicionar os coeficientes dos termos cujos índices superescritos são os mesmos. Assim:

expr 101

Pausa: como pode achar uma expressão para representar a soma C(n, r–1) + C(n, r)? [Lembrete: C(n, r) é outro jeito de denotar um número binomial.] Use a definição e as propriedades do fatorial.

expr 102

Sendo assim, ao realizar todas as adições de coeficientes binomiais, vai ficar com a equação a seguir.

expr 103

Quase lá! Só falta agora acertar o primeiro coeficiente e o último. Use as duas igualdades a seguir; se quiser, faça as contas para ver como realmente são iguais para todo valor inteiro não negativo de k.

expr 104

Use essa descoberta na expressão para hk+1.

expr 105

Essa é exatamente a expressão que escreveria para hk+1 se tivesse recorrido à conjectura logo duma vez. Assim, recapitulando, a conjectura é válida para n = 0. Visto que, sendo ela válida para n = k, é também válida para n = k + 1, pode concluir que é válida para n = 1, 2, 3, 4, 5, etc. Tem agora o direito de chamá-la de teorema. Vale a pena colocá-lo no papel com notação convencional:

Teorema. Se h(x) = f(x)g(x) é uma função que pode diferenciar quantas vezes bem entender, então deve calcular a enésima derivada de h com a fórmula a seguir.

expr 106

Observação: Se um dia quiser provar o teorema binomial, pode usar o argumento acima com algumas modificações.


§63-4. Você tem diante de si o gráfico da parábola y = f(x) = ax2 + bx + c, expressão na qual a, b, c são coeficientes reais, com a ≠ 0. Como pode produzir a fórmula com a qual calcular as coordenadas do vértice da parábola?

Resolução. No vértice da parábola, f’(x) = 0; pois, pelo teorema do valor médio, tem de existir um ponto no qual a derivada vale zero; é o que sugere a figura a seguir.

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Crédito: Claudio Rocchini, Wikipedia.

 

Calcule a derivada de f de cabeça, se quiser, recorrendo à regra da derivada de parcelas com expoentes inteiros de x, e depois a iguale a zero.

expr 107

Com tal expressão, confirma algo que já sabia: a parábola tem um único vértice, pois a expressão para x quando f’(x) = 0 só pode assumir um valor. E qual é o valor de y = f(x) quando x = –b/(2a)?

expr 108

Assim, as coordenadas do vértice da parábola y = f(x) = ax2 + bx + c são:

expr 109

Veja como é fácil realizar tais contas com um pouco de cálculo diferencial. Nunca mais precisará decorar a fórmula das coordenadas do vértice de uma parábola, se é que algum dia decorou.


§63-5. Em várias das demonstrações até aqui, você pensou num intervalo aberto (a, b), e destacou um número c desse intervalo. Para algum infinitésimo ϖ, positivo ou negativo, explique mais uma vez por que c + ϖ faz parte do intervalo.

Resolução. É por causa do teorema §23-1, que viu na matéria sobre continuidade: Faça a < b dois números reais. Daí, se p é qualquer hiper-real no intervalo (a, b), então st[p] também é. Se fizer p = c + ϖ para algum infinitésimo ϖ, positivo ou negativo, responde completamente à pergunta §63-5.


§63-6. Presuma que a função f(x) = logx está bem definida e tem uma função derivada f’(x). Como poderia provar que f’(x) = k/x para alguma constante k?

Resolução. Presuma que f’(1) = k. É uma pressuposição razoável, pois a função f deve ter alguma inclinação em x = 1. Daí, para todo b > 0:

expr 110

Note que f(b) = logb é um valor constante, pois b não é uma variável, e sim um valor fixo. Use a regra da cadeia para diferenciar a equação acima.

expr 111

Faça agora x = 1.

expr 112

Usará essa informação nas próximas matérias desta série, especialmente para construir a constante e. A pergunta §63-6 é a versão moderna de uma pergunta que vários matemáticos fizeram a si mesmos nos séculos 17 e 18, inclusive Euler.


§63-7. Considere a função a seguir:

expr 40

(a) Prove que f é descontínua para todo x ≠ 0. (b) Prove, contudo, que f é diferenciável em x = 0.

Resolução. Se x ≠ 0 é irracional, sempre pode escolher um infinitésimo ϖ de modo que x + ϖ seja racional. Pois sempre pode fazer isso com números reais; por exemplo, se adiciona 2 – √2 ao número irracional √2, obtém a soma racional 2. Pelo teorema de Łós, se pode fazer isso com reais, pode fazer isso com hiper-reais também. Veja o que acontece, portanto, se x ≠ 0 é irracional, mas escolhe ϖ de modo que x + ϖ é racional.

expr 114

Neste caso, portanto, f’(x) não existe, pois (2x2)/ϖ é um hiper-real infinito. Agora, se x ≠ 0 é irracional, também pode escolher um infinitésimo ϖ de modo que x + ϖ continue sendo irracional. Veja daí como fica a derivada f’(x):

expr 115

Uma história semelhante acontece quando x ≠ 0 é racional, mas x + ϖ é irracional [f’(x) não existe], e quando x ≠ 0 e x + ϖ são ambos racionais [f’(x) = 2x].

Em outras palavras, para todo valor de x ≠ 0, o valor de f’(x) se alterna entre existente e não existente conforme você muda o valor do infinitésimo ϖ, e por isso diga que não pode diferenciar f em nenhum valor de x ≠ 0.

E quando x = 0?

expr 116

Assim, pode diferenciar f num único ponto: x = 0. Não é incrível que, com um novo sistema de números (o sistema dos hiper-reais), e com as ferramentas intelectuais do cálculo, possa descobrir uma coisa dessas?

No gráfico a seguir, veja em preto a plotagem de f para x racional, e em vermelho a plotagem de f para x irracional.

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§67-1. Verifique se x2 e √y são funções inversas.

Resolução. Tudo o que deve fazer é criar duas expressões: y = f(x) = x2 e x = g(y) = y(1/2). Daí verifique as duas igualdades a seguir: f(g(y)) = y e g(f(x)) = x. É simples, em tese, mas deve explorar esse problema um pouco mais.

Se y = f(x) = x2, f’(x) = 2x. Logo, f’(x) > 0 para todo x > 0, e você pode aplicar o teorema da função inversa (corolário §66-1).

expr 118

Isso é uma equação diferencial; é uma espécie de pergunta: “Qual é a função g(y), onde y = f(x) = x2, tal que g’(y) seja 1/(2x) para todo x > 0?” Numa situação de pesquisa, você teria de procurar uma função com tais características; mas o redator do enunciado deu a dica.

Se g(y) = √y, daí, visto que y = x2, g(x2) = √(x2) = |x|; mas, como está lidando com x > 0, |x| = x. Logo, g’(y) = [x]’ = 1. Veja o que obtém ao aplicar o teorema da função inversa e a regra da cadeia na mesma sequência de deduções.

expr 117

Então, visto que g(y) = √y cumpre corretamente seu papel à luz do corolário §66-1, y = f(x) = x2 e g(y) = √y são funções inversas para todo x > 0.

Use um argumento semelhante a esse para x < 0, e deve trabalhar com g’(y) = [|x|]’ = –1, como já viu no problema §60-27. Quando x = 0, não tem como recorrer ao corolário para descobrir as características de f e de g, pois não pode dividir nada por zero. Mas, visto que x2 = 0 somente se x = 0, e como f’(x) = 0 somente se x = 0 (f’ não tem nenhum outro zero), se quiser pode construir uma função inversa g mais parruda: para x ≥ 0, g(y) = √y = |x| = x; ou então, para x ≤ 0, g(y) = –√y = –|x|.

Como vê, estudar as inter-relações entre uma função e sua inversa exige quebrar a cabeça de verdade; não é à toa que, muitas vezes, o aluno de ensino médio antipatiza com esse assunto.

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§67-2. Verifique se 2x – 5 e (1/2)(y + 5) são funções inversas.

Resolução. Talvez tenha notado que isso é bem simples: se faz y = f(x) = 2x – 5, daí, ao adicionar 5 aos dois lados da equação, e ao dividir os dois lados por 2, fica com x = g(y) = (1/2)(y + 5).

Pode agora verificar a validade do teorema da função inversa: f é diferenciável e f’(x) = 2 > 0 para todo x real. Afinal, f é uma reta no plano. Logo, f tem uma função inversa g, definida para todo valor de f(x), e para todo y = f(x) vale a afirmação a seguir.

expr 119

O corolário §66-1 é o que matemáticos chamam de “argumento de existência”. Com ele, você sabe que, se f é diferenciável em (a, b), e se f’(x) > 0 ou f’(x) < 0 em (a, b), então f tem uma função inversa g (ela existe), e você pode saber bem depressa qual é a derivada de g nesse intervalo. Às vezes, f e g têm uma relação tão complicada que saber isso já é saber bastante.


§67-3. Verifique se 10x e log10y são funções inversas.

Resolução. Por definição, y = f(x) = 10x se, e somente se, x = g(y) = log10y. Se quisesse, poderia parar a resposta aqui.

Agora, qual é o valor de g’(y), de acordo com o teorema da função inversa? Para saber isso, primeiro calcule o valor de f’(x).

120

Por enquanto não tem ferramentas teóricas para calcular o valor padrão da expressão entre colchetes (em breve terá); use, portanto, uma boa calculadora científica.

121

Caso acredite na calculadora, portanto, o valor de g’(y) é:

122

Note que, para quem sabe muito pouco sobre o comportamento de f e de g, até que, graças aos teoremas, você sabe bastante.


§67-4. Verifique se xn e y(1/n) são funções inversas.

Resolução. Suponha primeiro que n ≠ 0 é um inteiro positivo. Você já sabe que xn é diferenciável, pois é uma função polinomial; sabe também que [xn]’ = nx^(n – 1). Se n é par, a derivada [xn]’ é maior ou igual a zero para todo x maior ou igual a zero, e ela só tem um zero quando x = 0; se n é ímpar, a derivada é maior ou igual a zero para todo valor de x, e ela só tem um zero quando x = 0. Daí:

123

Portanto, f e g são funções inversas uma da outra.

Para ser preciso: se n é par, x = ny ou x = –ny, e deve escolher um desses dois casos; por exemplo, x = g(y) = ny. Se n é ímpar, não precisa se preocupar com nenhuma restrição a g.

O caso em que n ≠ 0 é negativo é semelhante a esse, embora a plotagem das curvas fique bem diferente, como pode ver a seguir com  (preto),  (vermelho), 1/ (azul), e 1/ (verde).

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§67-5. Ache a inversa de x + 7.

Resolução. Fácil: se y = f(x) = x + 7, daí x = y – 7. Portanto, x = g(y) = y – 7. Pode verificar como f(g(y)) = y e g(f(x)) = x. Como sabe que sua expressão para g é verdadeira em qualquer valor de x? Sabe disso porque f’(x) = 1 > 0 para todo valor de x.


§67-6. Ache a inversa de 3x – 1.

Resolução. Direto ao ponto:

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§67-7. Ache a inversa de x3.

Resolução. Com um pouco mais de detalhes desta vez.

125

Em palavras: você parte de f, acha a função inversa g, e verifica se f(g(y)) = y e se g(f(x)) = x. Ao estudar o perfil de f’, a derivada de f, você na verdade estuda o perfil do domínio e do contradomínio de f e de sua função inversa g. Neste caso, veja o gráfico abaixo, com f em preto e f’ em vermelho: visto que f’ é estritamente decrescente quando x < 0, estritamente crescente quando x > 0, e que só tem um zero quando x = 0, sabe que f tem uma função inversa g para todo valor de x.

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§67-8. Ache a inversa de xx.

Resolução. Esse é mais difícil, então vale a pena acompanhar uma resolução mais detalhada.

Se y = f(x) = xx, de imediato sabe que x ≥ 0, pois só pode definir √x se x ≥ 0. Calcule agora a derivada de f.

126

Sendo assim, f’(x) > 0 para todo x > 0. Note que não pode dizer “f’(x) ≥ 0 para todo x ≥ 0”, pois não pode calcular f’(0). Essa ressalva é muito importante. Pois a expressão arrumadinha na terceira linha do formulário acima é apenas uma expressão equivalente à da segunda linha, que é a verdadeira função derivada f’ e contém √x num divisor. Bem, se f’(x) > 0 para todo x > 0, f é estritamente crescente no intervalo (0, ∞), e portanto tem uma função inversa g nesse intervalo. Ela é:

127

Agora verifique se f(g(y)) = y e g(f(x)) = x.

128

Então, OK, f e g são funções inversas uma da outra. Contudo, embora não possa definir f’(x) quando x = 0, pode definir tanto f quanto g, pois zero faz parte do domínio de f e f(x) = 0 só quando x = 0; em outras palavras, f não tem nenhum outro zero. Sendo assim, se quiser denotar f e g mais completamente, escreva:

129

No gráfico a seguir, pode ver f em preto e g em vermelho.

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§67-9. Use o problema §67-4 para provar que a derivada de g(y) = y(1/n) é g’(y) = (1/n)y(1/n)–1.

Resolução. Basta aplicar o teorema da função inversa, e não se esqueça de que x = y(1/n).

130

Note que, uma vez feita a descoberta, é irrelevante se escreve x = y(1/n) ou y = x(1/n). Sendo assim, anote mais esta regra de derivação:

131

Ao usar a regra, não se esqueça de refletir sobre restrições: n ≠ 0 e, para usar a fórmula de f’(x), x ≠ 0 caso n ≥ 1. Mais uma vez: isso não significa que não existe reta tangente a f em x = 0; significa apenas que deve achar a tangente por outros meios.


§67-10. Use o problema §67-9 e os teoremas §59-5 e §59-6 para provar que a derivada de xn/m é (n/m)x(n/m)–1.

Resolução. Faça y = f(x) = xn e g(y) = y(1/m), com m ≠ 0. Faça daí h(x) = g(f(x)) = (xn)(1/m) = x(n/m). Use a regra da cadeia e a regra da derivada de uma potência inteira de x.

132

Muitos se referem a essa regra como “a regra da derivada de uma potência racional de x”, da qual a regra da derivada de uma potência inteira de x é um caso especial. (Esse movimento é comum entre matemáticos: você usa uma afirmação específica para provar uma mais genérica, da qual a afirmação específica passa a ser um caso especial.) Se quiser, verifique a validade da expressão a seguir, na qual r é um número real qualquer.

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§67-11. Ache um intervalo no qual existe a função inversa de senx, e calcule a derivada de sen–1y.

Resolução. Bem, y = f(x) = senx é diferenciável para todo x, e a derivada f’(x) = cosx é maior que zero no intervalo (–π/2) < x < (π/2); portanto, pelo teorema da função inversa, senx tem uma função inversa no intervalo aberto (–π/2, π/2). Examine a curva de y = senx na figura a seguir. No intervalo fechado [–π/2, π/2], o valor de senx não se repete nenhuma vez, pois sen(–π/2) = –1, sen(π/2) = 1, e senx é estritamente crescente no intervalo aberto (–π/2, π/2); portanto, se quiser diga que senx tem uma função inversa no intervalo fechado [–π/2, π/2].

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Logo, veja como definir a função inversa de senx e sua derivada.

134

Note que embora possa definir a função g no intervalo fechado [–π/2, π/2], só deve definir a função derivada g’ no intervalo aberto (–π/2, π/2), pois tem de evitar zero no divisor.

Agora, se apresentar as funções g e g’ a seu leitor do jeito que estão, ele talvez as ache esquisitas, pois parece que x e y trocaram de lugar. (E trocaram.) Para corrigir isso, primeiro apresente ao leitor as fórmulas com x e y nos lugares em que normalmente aparecem: y é a variável dependente, x é a independente.

135

Mas dê um aviso mais ou menos assim: “Na primeira expressão acima, x é um número real do intervalo fechado [–1, 1], e y é um número do intervalo [–π/2, π/2]; na segunda expressão, x é um número do intervalo aberto (–1, 1), para que não aconteça de ter zero no divisor.”

Note, contudo, que existem infinitos valores de y tais que seny = x, pois a função seno é periódica. Assim, se y = arcsenx, daí seny = x, mas também no mínimo sen(y + 2π) = x, sen(y + 4π) = x, etc.

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Crédito: Geek3, Wikipedia.

Lembrete: arcseny = sen–1y.


§67-12. Ache um intervalo no qual existe a função inversa de tanx, e calcule a derivada de tan–1y.

Resolução. Bem, só de olhar o gráfico de y = f(x) = tanx você pode ver que a derivada f’(x) = 1 + tan2x é estritamente positiva no intervalo aberto (–π/2, π/2). Logo, pode construir a inversa de f nesse intervalo, se quiser.

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Se faz x = g(y) = arctany, com y real e x ∈ (–π/2, π/2), daí:

136

Mais uma vez, y = tanx é uma função periódica. Se entra com o valor de y numa calculadora científica e ela devolve um valor de x no intervalo (–π/2, π/2), saiba que existem infinitos outros valores de x tais que y = tanx.

Lembrete: arctany = tan–1y.


 

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{70}/ Uma sutileza sobre a notação

No texto anterior desta série, você viu que pode definir a integral de f no intervalo [a, b] com a expressão a seguir, na qual usou dx para denotar um infinitésimo positivo.

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Contudo, quando estudou a definição de derivada nesta parte da série, não usou dx para denotar um infinitésimo, e sim ϖ. Por quê? Veja mais uma vez a expressão a seguir:

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Perceba que tem usado dy/dx para denotar um número real, e fez isso para combinar com a tradição. Se usasse dx dentro dos colchetes, para denotar um hiper-real infinitésimo, não poderia usá-lo fora dos colchetes na expressão dy/dx para denotar a derivada de f em b. E daí também não poderia escrever, como é muito natural, f’(x) = dy/dx.

Na análise padrão, a situação é quase a mesma, pois tem de usar dy/dx para denotar um limite, que é o limite de [f(b + h) – f(b)]/h quando h tende a zero, sendo h uma variável real positiva ou negativa. Então, mais uma vez, para deixar esse ponto bem claro: ao escrever dy/dx, não quer dizer o quociente do infinitésimo dy pelo infinitésimo dx; antes, quer dizer a parte real do quociente do infinitésimo 𝕯f pelo infinitésimo 𝕯x, isto é, dy/dx = st[𝕯f/𝕯x].


 

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{71}/ Cuidado com relações indevidas de causa e efeito

No começo deste texto, você supôs que certa magnitude y crescia ou diminuía em função de certa magnitude x; e examinou o exemplo do forno, cuja temperatura y cresce em função do tempo x. Ao longo das seções 56 a 70, descobriu que pode usar dy/dx ou f’(x) para denotar a velocidade instantânea com que a temperatura y subia no tempo x = x.

Cuidado! Não se deixe levar pelos significados corriqueiros da palavra “função” e da locução “em função de”; pois talvez atribua relação de causa e efeito a duas magnitudes que não têm nenhuma relação de causa e efeito. A temperatura do forno não sobe porque o tempo passa. Ela sobe por causa de uma quantidade imensa de motivos: o gás está fluindo normalmente e está queimando, há oxigênio suficiente no ar para o gás continuar queimando, não há vazamentos de calor no forno, não há dentro do forno nenhum dispositivo que retira calor do ar, etc. Por um acaso conveniente, a temperatura sobe e o cronômetro funciona, de modo que o homem registra os dois fenômenos num gráfico, com a temperatura no eixo Y e o tempo no eixo X, emprega a linguagem y = f(x), e com isso ganha toda a teoria que tais iniciativas, matematicamente, implicam.

Em algumas faculdades na Rússia, o professor pede aos alunos que pronunciem a expressão y = f(x) com palavras mais ou menos assim: “y é correspondência de x”. Isso quer dizer: “Com f, para cada valor de x, faço corresponder um e só um valor de y.” Esse uso é tão comum entre estudantes de matemática que o matemático russo Edward Frenkel, quando se mudou para os Estados Unidos, ficou surpreso com os americanos: eles usavam a palavra “correspondência” para dizer “troca de cartas, bilhetes, e-mails”. {FIM}


Aviso. Caso veja algum erro neste capítulo ou queira tirar uma dúvida, escreva para o redator:

<ImaginarioPuro.MarcioSimoes@gmail.com>.

O que existe na imaginação, existe

O número imaginário é um ótimo e maravilhoso recurso do espírito divino, quase um anfíbio entre ser e não ser.

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), matemático alemão, um dos precursores do cálculo infinitesimal moderno.


Aviso: Amanhã, dia 7 de agosto, ao meio-dia, haverá aqui uma matéria especial sobre o sistema dos números complexos. Eles não servem para contar, nem para medir, mas são imensamente úteis, e você aprenderá a pensar neles de um jeito produtivo.

Aviso 2: Para ver a matéria especial, clique aqui.

O sistema dos números hiper-reais: um negócio hiperlegal


{1}/ Uma ideia difícil de engolir

Existe um número maior que zero que seja menor do que todo número real maior que zero?

Existe um número maior que zero que seja maior do que todo número real maior que zero?

Quem conhece os números reais, e quem imagina a reta dos números reais, tende a responder com “não” às duas perguntas. (Pode imaginar a reta dos números reais como uma régua, mas uma régua de comprimento infinito.) Pois, se um número maior que zero é muito pequeno, tipo 0,000 000 001, você sempre pode dividi-lo em duas partes iguais e obter um número menor ainda. E se um número maior que zero é muito grande, tipo 200.000.000.000, você sempre pode multiplicá-lo por 2 e obter um número maior ainda.

No entanto, desde 1961 todo estudante de matemática já pode criar um sistema numérico no qual a resposta às duas perguntas é “sim”. Nesse ano, o matemático alemão Abraham Robinson publicou uma série de artigos científicos sobre “análise não padrão” e entrou para a história. (Escreveu em inglês, pois na época já vivia nos Estados Unidos.) Há milênios os matemáticos perseguem essa ideia de “um número infinitamente pequeno”; no século 17, por exemplo, Leibniz a usou com sucesso para criar sua versão do cálculo diferencial e integral. Há milênios os matemáticos implicam com essa ideia, e com razão, pois, no sistema dos números reais, ela não faz o menor sentido. Vários matemáticos interpelaram Leibniz pessoalmente ou por carta para criticar suas ideias e exigir uma explicação do que seriam as tais “quantidades infinitamente pequenas”, como ele chamou esses números mágicos, menores que qualquer número real possível e imaginável.

Leibniz não pôde se defender. Não tinha como: na sua época, não havia conceitos matemáticos aos quais pudesse recorrer para justificar sua intuição. Abraham Robinson encerrou a discussão ao mostrar que, com as ferramentas da lógica formal moderna, qualquer pessoa pode criar um sistema numérico no qual haja números positivos menores do que qualquer número real positivo, e números positivos maiores do que qualquer número real positivo. Robinson chamou tais sistemas de “sistemas numéricos hiper-reais”. Existem infinitos sistemas assim, mas, como você vai explorar aqui uma versão deles, que é a mais famosa, pode chamá-la de “o sistema dos números hiper-reais”. Com esse sistema, Robinson criou uma versão rigorosa do cálculo diferencial e integral, mas mesmo assim intuitiva — semelhante à de Leibniz.

Com este capítulo, que é o primeiro de uma série, quero ajudá-lo a construir o cálculo diferencial e integral a partir do sistema dos números hiper-reais. Você vai ficar surpreso de ver a competência técnica que vai ganhar, e a facilidade com que vai provar teoremas que, num curso de cálculo regular, com limites, épsilons, e deltas, dão um trabalhão desgraçado.



{2}/ Os números hiper-reais

Definição §2-1. Um número hiper-real é uma sequência infinita de números reais.

Exemplo §2-1: (an) = (1, 2, 3, 4, 5, 6, …). Para interpretar isso, pense assim: com (an), à esquerda da igualdade, você denota a sequência ordenada de números à direita. Está usando an para denotar o enésimo termo na sequência. Então, no número hiper-real (an), a1 = 1, a2 = 2, a3 = 3, a4 = 4, a5 = 5, a6 = 6, etc; de modo geral, an = n.

Exemplo §2-2: (bn) = (1, 1, 1, 1, 1, …). Todos os termos de (bn) são iguais a 1. Pode dizer isso assim: “No número hiper-real (bn), para todo valor inteiro positivo de n, bn = 1.”

Exemplo §2-3: (cn) = (2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, …). Todos os termos de (cn) são pares, sendo que, para calcular o valor de um termo cn qualquer, basta usar a igualdade cn = 2n. Assim, c1 = 2, c2 = 4, c3 = 6, c4 = 8, etc.

Um número hiper-real não precisa ser uma sequência bonitinha de números reais, tão bonitinha que você até consegue calcular o valor do termo an, por exemplo, em função do índice subscrito n. Nos dois exemplos a seguir, (dn) é uma sequência aleatória de números reais; quanto a (en), tem uma sequência aleatória de 20.000 números reais a princípio (que você denotou com x1, x2, …, x20.000), seguida de termos todos iguais a 1.

Exemplo §2-4: (dn) = (e, √2, √(5.130), π, 160π, 2/3, 42 + 1, …). Nesse caso, d1 = e (a constante e), d2 = √2, d3 = √(5.130), d4 = π, d5 = 160π, d6 = 2/3, d7 = 42 + 1, etc. Você só sabe que a sequência não segue nenhuma lógica porque o autor está dizendo assim. Tais números hiper-reais são inúteis, pois não pode calcular o valor de dn a partir do índice subscrito n, mas deve ter a consciência de que existem.

Exemplo §2-5:

Formulário 1

Formulário 1

Nesse exemplo 5, pode atribuir a n qualquer valor inteiro positivo, seja n = 20.000, seja n = 3.000.000.000.000; o que importa é que, depois de uma sequência finita de números reais escolhidos sem nenhum critério, ou até escolhida com algum critério, vem uma sequência infinita de números 1. Desse modo, pode dizer que, se faz n = 20.000, daí en = 1 para todo n > 20.000.

Contraexemplo §2-1: (fn) = (1, 2, 3, 4, …, 50.000). Bem, (fn) não é um número hiper-real porque é uma sequência finita de números reais. Não importa o comprimento da sequência: se é finita, por maior que seja, não representa um número hiper-real.

Um aviso necessário: com a definição 1, os cinco exemplos, mais o contraexemplo, você já sabe o que é um número hiper-real, mas ainda não tem boa noção de como eles se comportam, ou de quais são suas propriedades. Por enquanto, tenha paciência.



{3}/ Uma história antiga

Talvez esteja se sentindo estranho ao batizar de “número” uma sequência de números, mas já fez isso antes, e várias vezes, a começar no ensino fundamental.

Suponha que é um sujeito esperto, que já sabe manejar bem os inteiros, tanto os não negativos (0, 1, 2, 3, …) quanto os negativos (…, –3, –2, –1), e que está descobrindo a álgebra. Um dia, gostaria de resolver a equação a seguir.

Formulário 2

Formulário 2

Sabe que tem de achar um número x tal que, ao multiplicá-lo por 3, ou ao somá-lo a si mesmo três vezes, obtém 4. Se faz x = 1, daí 3x = 3. Se faz x = 2, daí 3x = 6. É quando percebe que, com seus inteiros, não pode resolver a equação, pois precisaria de um número x especial entre 1 e 2.

Você medita sobre isso um tempão, até que um dia te ocorre uma ideia luminosa: “E se eu inventasse um novo sistema de números? Um que preservasse as propriedades de meus números inteiros, mas me permitisse resolver a equação?”

Depois de trabalhar nisso por semanas, finalmente seu sistema fica pronto. Você o construiu com um conjunto de números na forma q(x, y); x é qualquer inteiro, seja positivo, seja negativo, seja nulo; y é um inteiro ou positivo ou negativo, mas nunca nulo. E as regras pelas quais vai somar e multiplicar dois números de seu sistema são:

Formulário 3

Formulário 3

E daí você explora as propriedades de seu sistema, e fica contente, pois ele se comporta superbem: a adição é comutativa e associativa; existe o elemento neutro da adição, que é q(0, y) para qualquer valor inteiro de y ≠ 0; para todo elemento q(x, y) de seu sistema, existe um elemento oposto q(–x, y) tal que q(x, y) + q(–x, y) = q(0, y); a multiplicação é comutativa e associativa; a multiplicação é distributiva sobre a adição; existe o elemento neutro da multiplicação, que é q(1, 1); você pode expressar todo inteiro n que já conhecia, e com o qual já estava acostumado a trabalhar, na forma q(n, 1), de modo que, com as operações de adição e de multiplicação tais como as definiu, q(3, 1) se comporta exatamente como o inteiro 3, e q(4, 1) se comporta exatamente como o inteiro 4 e, mais genericamente, q(n, 1) se comporta exatamente como o inteiro n. E assim vai.

Mas, principalmente, graças à sua invenção, você agora pode associar, a cada um dos novos números na forma q(x, y), um número na forma q(y, x). Basta que x ≠ 0. E daí pode definir uma conta que não podia definir antes:

Formulário 4

Formulário 4

Depois de explorar as consequências dessa invenção [que é a invenção do recíproco de q(x, y)], chega o dia em que descobre uma coisa incrível: q(xy, y) se comporta exatamente como q(x, 1). Feita essa descoberta, está pronto para resolver uma equação equivalente à equação no formulário 2.

Formulário 5

Formulário 5

Um dia, você se cansa de escrever uma coisa tão complicada quanto q(x, y), e melhora sua notação:

Formulário 6

Formulário 6

Bem, essa história representa, de forma bem resumida e sem uma miríade de detalhes técnicos importantes (classes de equivalência, etc.), o modo como a humanidade construiu o corpo dos números racionais. Foi um trabalho extraordinário, tocado por muita gente ao longo de séculos. Olhando a questão desse jeito, ao passar dos inteiros para os racionais, todo estudante deixa de ver “número” como sendo só um numeral e passa a ver “número” como sendo uma sequência com dois numerais.

Daí a ver “número” como uma sequência infinita de números reais é um pulo. Mas a lógica tem de ser a mesma: com os novos números, você deve realizar da mesma forma todas as tarefas que realizava com os números anteriores; porém, com os novos números, seria ótimo se pudesse realizar tarefas que jamais poderia realizar com os números anteriores.



{4}/ As operações mais básicas com hiper-reais

Quando pode declarar dois hiper-reais como sendo iguais? (Ou, mais apropriadamente, como sendo equivalentes?) Para dar resposta adequada à pergunta, deve entender o que é um “conjunto quase-grande”.

Definição §4-1. O conjunto dos inteiros positivos é quase-grande. O conjunto dos inteiros positivos, menos um conjunto finito de inteiros positivos, também é quase-grande. Nenhum conjunto finito de inteiros positivos é quase-grande. Se A e B são dois conjuntos quase-grandes, daí A ∩ B também é. Se A é quase-grande e A ⊆ B, daí B também é quase-grande. Se A é qualquer conjunto de inteiros positivos, ou A ou o complemento de A é quase-grande, mas não ambos.

Por enquanto, não se preocupe demais com essa definição. Mais tarde, no próximo capítulo desta série, verá uma definição mais precisa de conjunto quase-grande, e poderá explorar suas propriedades. Por enquanto, saiba que o conjunto {1, 2, 3, 4, 5, …} é quase-grande, assim como {2, 3, 4, 5, …}, que é o conjunto dos inteiros positivos menos o inteiro 1, assim como {5.001, 5.002, 5.003, …}, que é o conjunto dos inteiros positivos menos os primeiros 5.000 inteiros. (Quanto ao conjunto A = {2, 4, 6, 8, …}, que é o conjunto dos inteiros positivos pares, e ao conjunto B = {1, 3, 5, 7, …}, que é o conjunto dos inteiros positivos ímpares, ou você declara A quase-grande e B não quase-grande, ou vice-versa, mas não ambos. Contudo, não precisa se preocupar com isso, pois deve se concentrar de fato da comparação de conjuntos finitos e infinitos de inteiros positivos.)

Pois bem: imagine o número hiper-real (jn) = (j1, j2, j3, j4, j5, …) e o hiper-real (kn) = (k1, k2, k3, k4, k5, …). Pode declarar (jn) como sendo equivalente a (kn) se o conjunto A a seguir for quase-grande:

A = {n : jn = kn}

Nessa linha, n é um inteiro positivo. Pode pronunciá-la assim: “Eis o conjunto A, composto de inteiros n tais que jn = kn.” Com ela, quis dizer: “Vou colocar um inteiro positivo n dentro desse meu conjunto A sempre que a igualdade jn = kn for válida. Ou, o que é equivalente a isso, vou retirar o inteiro n do conjunto dos inteiros positivos sempre que a igualdade jn = kn for inválida.” (Note que batizou o conjunto {n : jn = kn} com a letra A, mas poderia tê-lo batizado com qualquer letra.)

Suponha que (jn) = (π, π, π, 3, 3, 3, …), isto é, que (jn) contenha uma sequência inicial com π repetido três vezes, seguida de uma sequência de infinitas repetições do inteiro 3. E suponha que (kn) = (π, π, π, π, π, 3, 3, 3, …}. Daí (jn) = (kn), pois o conjunto A é quase-grande.

Formulário 7

Formulário 7

O conjunto A é o conjunto dos inteiros positivos menos dois inteiros, que são 4 e 5.

Já está em condições de saber o que é um número real no sistema dos números hiper-reais. Pense no número hiper-real (rn) = (r, r, r, r, r, …), no qual r é um número real qualquer. Saiba que, no sistema dos números hiper-reais, (rn) equivale ao número real r no sistema dos números reais, com o qual já está acostumado a trabalhar. Você mesmo já pode chegar à seguinte conclusão: pode declarar qualquer número hiper-real (jn) como sendo equivalente ao hiper-real (rn) se o conjunto A for quase-grande. Por exemplo, pode declarar todos os hiper-reais a seguir como sendo equivalentes ao hiper-real (π) = (π, π, π, π, …).

(1, π, π, π, …)

(1, 2, π, π, π, …)

(1, 2, 3, π, π, π, …)

(1, 2, 3, …, 200.000, π, π, π, …)

No primeiro caso, A = {2, 3, 4, 5, …}; no segundo, A = {3, 4, 5, 6, …}; no terceiro, A = {4, 5, 6, 7, …}; e, no quarto, A = {200.001, 200.002, 200.003, 200.004, …}. Em todos eles, A é quase-grande.

A consequência disso? No sistema dos números hiper-reais, existem infinitos números hiper-reais equivalentes ao número real (rn) = (r, r, r, …).

Volte aos números hiper-reais (jn) = (j1, j2, j3, j4, j5, …) e (kn) = (k1, k2, k3, k4, k5, …). Veja como pode declarar coisas como “(jn) e (kn) são diferentes”, “(jn) é maior que (kn)”, “(jn) é menor que (kn)”. (Talvez até já tenha pensado nisso tudo por si mesmo.)

a) Se A = {n : jnkn} é quase-grande, então (jn) ≠ (kn), e vice-versa. (A recíproca é verdadeira.)

b) Se A = {n : jn > kn} é quase-grande, então (jn) > (kn), e vice-versa. (A recíproca é verdadeira.)

c) Se A = {n : jn < kn} é quase-grande, então (jn) < (kn), e vice-versa. (A recíproca é verdadeira.)

Eis alguns exemplos concretos, se é que pode existir algo de concreto num assunto desses (ou, pensando bem, na matemática como um todo):

(π, π, π, 1, 2, 3, 4, 5, …) > (π, π, π, 0, 1, 2, 3, 4, …)

(0, 1, 0, 1, 0, 1, 0, 1, …) < (1, 2, 1, 2, 1, 2, 1, 2, …)

(x1, x2, …, xn, 4, 4, 4, …) ≠ (x1, x2, …, xn, π, π, π, …). Nesse caso, x1, x2, …, xn, é uma sequência de números reais quaisquer de comprimento n. Não deixe de notar que n pode ser um inteiro positivo muito grande.

Chegou o momento de examinar uma sutileza. Imagine (jn) = (3, 1, 3, 2, 3, 4, 3, 5, 3, 6, 3, 7, 3, 8, …) e (kn) = (3, 3, 3, 3, 3, 3, 3, 3, …). (kn) é, portanto, o número real (3) no sistema dos números hiper-reais. Será que (jn) = (kn)? Veja como fica o conjunto A:

A = {n : jn = kn} = {1, 3, 5, 7, 9, …}

Assim, A é o conjunto dos inteiros positivos ímpares. Suponha que declare A como não sendo quase-grande. Sendo assim, (jn) = (kn) é uma expressão inválida no sistema dos números hiper-reais.

Será então o caso de que (jn) ≠ (kn)?

B = {n : jnkn} = {2, 4, 6, 8, 10, …}

Sim, (jn) ≠ (kn), pois B é quase-grande. Agora, se declarasse A como sendo quase-grande e seu complemento B como não sendo, daí (jn) = (kn).

E agora?

Isso tudo significa, simplesmente, que há infinitas maneiras de construir um sistema de números hiper-reais, mas, como verá em no próximo capítulo desta série, todas elas são consistentes, e com todas elas você pode construir o cálculo diferencial e integral. Dito isso, não se preocupe: o que realmente interessa é distinguir claramente conjuntos finitos de inteiros positivos de conjuntos infinitos de inteiros positivos. A questão de declarar o conjunto dos pares ou o dos ímpares como sendo quase-grande, e seu complemento como não sendo, é só uma curiosidade do sistema, que na prática não atrapalha em nada.

Um à parte: como pode somar ou multiplicar dois números hiper-reais? Muito fácil: se (jn) = (j1, j2, j3, j4, j5, …) e (kn) = (k1, k2, k3, k4, k5, …), daí (jn) + (kn) = (j1 + k1, j2 + k2, j3 + k3, j4 + k4, j5 + k5, …) e (jn) · (kn) = (j1 · k1, j2 · k2, j3 · k3, j4 · k4, j5 · k5, …). Com essas duas regras e um pouco de trabalho, pode deduzir o modo como funcionam todas as outras operações aritméticas básicas com números hiper-reais. Mais uma vez, não se preocupe demais com elas: vai estudá-las mais a fundo num dos capítulos desta série. Fim do à parte.

É hora de festa. Pegue seu tambor e suas baquetas, e rufe seu tambor. Rufe com entusiasmo. Pois vai provar que, no sistema dos números hiper-reais, há números maiores que zero que são menores do que qualquer número real. Eis um exemplo:

Formulário 8

Formulário 8

Se quiser, pode verificar como (h) é um número maior que zero, pois o conjunto A = {n : hn > 0} é o conjunto dos inteiros positivos, e portanto é quase-grande. Agora, como (h) se compara ao número real (r) = (r, r, r, r, …), com r sendo um número real qualquer maior que zero? Suponha que r seja muito pequeno. Por exemplo, faça r = 1/m para algum inteiro positivo m muito grande, tipo r = 1/1012 ou r = 1/10900. Bem, ao comparar os números da sequência de racionais que compõe (h) com os números da sequência de racionais que compõe (r), verá que, a certa altura, 1/n é igual a 1/m, e que 1/(n + 1) é menor do que 1/m. Daí veja como fica o conjunto A:

A = {n : hn < rn} = {m + 1, m + 2, m + 3, …}

E seu conjunto A é quase-grande. Um argumento semelhante a esse vale para r real, racional ou irracional: a certa altura, 1/(n + 1) < r ≤ 1/n. Como tomou r como sendo um número real genérico, isso significa que, no sistema dos números hiper-reais, (h) é um número maior que zero, mas é também menor do que qualquer número equivalente a um número real positivo.

Pode chamar (h) de “infinitésimo” ou de “número infinitesimal”. Viu só?! E agora, ao contrário de Leibniz, de Newton, de Cavalieri, de Arquimedes, você pode dizer com precisão o que é um infinitésimo.

Definição §4-2. Um infinitésimo, ou um número infinitesimal, é um número do sistema dos números hiper-reais, maior que zero, com a propriedade de que é menor do que qualquer número hiper-real equivalente a um número real maior que zero.

Bem, entre os números hiper-reais, há também números positivos maiores do que qualquer hiper-real equivalente a um número real positivo. Por exemplo:

(N) = (1, 2, 3, 4, 5, 6, …)

(N) é maior que zero. Se fizer como antes, e comparar (N) com o número real (r) = (r, r, r, r, …), com r real maior que zero, verá que, em algum momento, para algum valor inteiro de n, Nn é maior que rn. Por exemplo, faça r = π, de modo que (r) = (π) = (π, π, π, …). Ora, 4 > π, e daí o conjunto A = {n : Nn > rn} = {4, 5, 6, …} é quase-grande, e portanto (N) > (π). Pode aplicar esse mesmo raciocínio a qualquer hiper-real equivalente a um real positivo; (N) sempre será maior que (r), pois sempre haverá um inteiro positivo Nn maior que rn e o conjunto A sempre será quase-grande. Abraham Robinson chamou o número hiper-real com essa propriedade de “número hiper-real infinito”. Num texto em que não se pode mencionar o sistema dos números hiper-reais, o autor não tem escolha senão tratar todos os números como esse (N) com um único símbolo, que é ∞.

Definição §4-3. Um número hiper-real positivo infinito é um número do sistema dos números hiper-reais, maior que zero, com a propriedade de que é maior do que qualquer número hiper-real equivalente a um número real maior que zero.

Por enquanto, tudo isso é suficiente à guisa de introdução. Se você é como eu, a uma hora dessas deve estar zonzo. Zonzo, maravilhado, e feliz. {FIM}



Aviso. Eis os cliques para os demais capítulos: segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo.

Aviso 2. Caso veja algum erro neste capítulo ou queira tirar uma dúvida, escreva para o redator:

<ImaginarioPuro.MarcioSimoes@gmail.com>.

unknown-4Aviso 3: Para escrever este curso, usei como referência o ótimo livrinho Infinitesimal Calculus, de James M. Henle e Eugene M. Kleinberg, ambos matemáticos americanos. (Usei a edição da Dover de 2003.) No entanto, este curso não é uma tradução do livro de Henle & Kleinberg: às vezes, fico “perto” do que os dois professores americanos escreveram, mas outras vezes me afasto bastante. Se lê inglês, eis meu conselho: compre o livro de Henle & Kleinberg e o estude com atenção duas ou três vezes, com intervalo de uns poucos meses entre cada vez. Você não vai se arrepender.

Um algarismo vale muitos passos

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{1}/ Pergunta difícil

Por que o primeiro algarismo 2 de 222 vale duzentas unidades, o segundo vale vinte, e o terceiro vale só duas?

Quanto à pergunta, existem três tipos de gente no mundo: o tipo A, o B, o C. (Excluindo gente que não tem a mínima ideia.)

O tipo A é um tipo comum, pois uma pessoa tipo A é uma pessoa comum, se a missão do momento é atinar com explicações matemáticas. Gente desse tipo, quando se arrisca e dá uma resposta à pergunta, entra num circuito fechado: usa o próprio fato que está tentando explicar como explicação do fato que está tentando explicar.

— Por que o primeiro 2 está na casa das centenas.

— Sim, OK, mas por que a primeira casa é a casa das centenas?

— Porque o 100, veja bem o 100, o algarismo 1 está na casa das centenas e ele vale 100. Então o algarismo 2, se está nas centenas, deve valer 200.

O diálogo vai mais ou menos nessa linha, e demora bastante a sair disso.

O tipo B é menos comum. Gente desse tipo conhece uma explicação técnica.

— O primeiro algarismo 2 de 222 vale duzentos porque você deve multiplicar todo número na casa das centenas por 100. Se você escrevesse 47 na casa das centenas, por exemplo se escrevesse 47-2-2, estaria falando de 47 × 100, mais 2 × 10, mais 2 × 1, então estaria falando de 4.722.

Esse tipo resolve problemas aritméticos básicos com desenvoltura, mas, se o interlocutor insiste em saber por que deve multiplicar os algarismos na casa das centenas por 100, o tipo B não consegue produzir uma explicação apenas com ideias mais simples que a ideia que está tentando explicar. Entre professores de matemática, há uma porcentagem que é do tipo B.

Dizer isso não significa desmerecer nenhum professor. Quase todos os brasileiros tomaram contato com essas ideias quando eram crianças, e depois passaram a ser tratados como se as conhecessem bem. É natural que dominem tais ideias razoavelmente, do ponto de vista técnico, mas que não tenham a capacidade de explicá-las a partir de termos mais simples, que até crianças possam compreender. E o ciclo se repete.

Finalmente, existe o tipo C, que é mais raro. É gente capaz de produzir uma explicação simples, ainda que longa, e que não recorre ao próprio fato que está tentando explicar à guisa de explicação do fato que está tentando explicar.

O propósito deste texto é ajudá-lo a se transformar numa pessoa tipo C.


{2}/ Um entre infinitos

 

Numa faculdade de matemática, um estudante (vamos chamá-lo de C2h) entra no centro acadêmico, bate palmas e, quando todos olham para ele, proclama:

— Não existe o sistema numérico posicional decimal!

Alguns riem, um amassa uma bolinha de papel e taca na direção do proclamador, e outro retruca:

— É claro que não: todo sistema posicional decimal é um sistema posicional decimal. Um entre muitos: um entre infinitos!

C2h já ouviu muita gente dizer que o sistema numérico usado no Brasil é “o sistema numérico posicional decimal”, com o artigo definido “o”. Talvez até tenha lido algo assim, sem que o autor tenha feito nenhuma ressalva.

É quase verdade, mas falta uma informação importante para justificar o artigo definido “o”.

O sistema numérico brasileiro é decimal, pois C2h usa dez símbolos (algarismos) para representar cada número. E ele é posicional, pois o valor que C2h atribui a cada algarismo varia conforme a posição que o algarismo ocupa no numeral. (Em 22, o primeiro 2 vale vinte unidades, e o segundo 2 vale só duas unidades.) Mas, para dizer o nome e o sobrenome desse sistema, C2h deve dizer: “Sistema numérico posicional decimal hindu-arábico.”

— Não existe o sistema numérico posicional decimal — ele deveria ter proclamado, se quisesse evitar uma bolinha de papel —, mas sim o sistema numérico posicional decimal hindu-arábico!

Isso porque C2h usa não os dez algarismos A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, sempre nessa ordem, nem os dez algarismos α, β, γ, δ, ε, ζ, η, θ, ι, κ, sempre nessa ordem, mas, em vez disso, usa os dez algarismos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, sempre nessa ordem, isto é, do algarismo de menor valor ao algarismo de maior valor. Para resumir uma história longa e complicada, tais algarismos foram criados por intelectuais árabes e indianos (talvez com base em ideias vindas da China), e espalhados pela Europa do século 13 pelo matemático italiano Fibonacci, entre outros. É por isso que C2h, quando escreve num papel o inteiro 236, está usando o sistema posicional decimal hindu-arábico. Só existe um sistema assim, e essa é talvez a única criação humana usada do mesmo jeito em quase todas as cidades do mundo.


{3}/ Ambiguidades de notação

 

C2h deve dizer que o primeiro 2 de 22 vale vinte ou que o primeiro 2 de 22 vale dois? Deve contar os algarismos da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda?

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Contando algarismos da esquerda para a direita

Quando conversa sobre um número específico, como 6.743, C2h costuma seguir uma convenção venerável: conta os algarismos da esquerda para a direita: o primeiro algarismo é 6; o último, 3. Essa contagem reflete o modo como quase toda gente escreve os números: primeiro escreve o algarismo mais significativo e, por último, o menos significativo. Quando C2h conversa sobre dois números, como 6.743 e 82, aí existe a possibilidade de confusão, pois o primeiro algarismo de 6.743 está na posição dos milhares, e o primeiro de 82, na posição das dezenas. O jeito é recorrer a artifícios como 0.082 ou a expressões como “o algarismo na posição das unidades”, “o algarismo na posição das centenas”, etc. C2h já aprendeu que as palavras do português brasileiro servem muito bem para dirimir ambiguidades na notação matemática.

(Mas é claro que, se combinar com seu leitor de outra forma, pode contar os algarismos da direita para a esquerda. Essa regra não está escrita em pedra.)


{4}/ Número e numeral: parte I

 

Um sujeito mostrou a C2h uma folha de papel A4 na qual desenhou uma bolinha vermelha, e lhe perguntou:

— Quantas bolinhas vermelhas há nesta folha?

C2h respondeu prontamente:

— Uma!

Em seguida, o sujeito mostrou outra folha A4 na qual desenhou dezenove bolinhas vermelhas, marcadas na página como que a esmo, e repetiu a pergunta.

Desta vez, C2h vacilou.

2015-07-01 17.35.06

Quantas bolinhas há nesta folha? Todo mundo vacila na resposta

Todo mundo vacila. A maioria dos adultos consegue dizer, sem contar, se há três ou quatro bolinhas na folha de papel; mas, a partir daí, todo adulto alfabetizado de alguma forma conta — por exemplo, reúne mentalmente as bolinhas em grupos de quatro. Ou simplesmente conta mesmo, com a ajuda dos dedos e das palavras: “Uma, duas, três, quatro, …”

O estudante deve entender bem a diferença entre número inteiro não negativo e o numeral que usa para representar o número. C2h supôs uma pessoa que reuniu 73 pedrinhas: o número é quantidade de pedrinhas. Supôs também uma pessoa que fez 73 risquinhos num pedaço de osso: o número é a quantidade de risquinhos. Depois supôs uma pessoa que deu 73 passos: o número é a quantidade de passos. 73 é o numeral que usou para representar o número. Se tivesse usado os algarismos α, β, γ, δ, ε, ζ, η, θ, ι, κ, em vez de 73 teria escrito θδ.

Contudo, para saber que a pessoa deu 73 passos, C2h teve de contar, e para compreender bem essa ideia de representar uma contagem com dez símbolos, preparou a tabela 1 a seguir.

>> Tabela 1:

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Com a ponta da caneta quieta sobre o algarismo 0, C2h pensou: “Ainda não dei nenhum passo. Zero passo até agora.” Depois, começando em zero, C2h deu oito passos, e anotou o algarismo sob a ponta da caneta quando parou: 8. Na figura 1 a seguir, cada asterisco representa um passo:

>> Fig. 1:

0 * 1 * 2 * 3 * 4 * 5 * 6 * 7 * 8

Brincou assim mais algumas vezes. Com a ponta da caneta sobre 0, deu quatro passos, e anotou o algarismo sob a ponta da caneta: 4. Voltou para 0, deu sete passos, anotou 7; voltou para 0, deu um passo, anotou 1. Depois brincou dessa maneira um pouco mais. Queria consolidar bem a distinção entre número inteiro não negativo e o numeral que usa para representar o inteiro. Até que teve a ideia de brincar com as letras gregas: repousou a ponta da caneta em α e contou dois passos: anotou γ; depois voltou para α e contou nove passos: anotou κ.

Daí voltou a usar os algarismos hindu-arábicos e teve a ideia de dar 23 passos.


{5}/ Uma distinção necessária

 

Para pôr a ideia em prática, C2h desenhou uma grade de algarismos para ajudá-lo na contagem, que é a grade na tabela 2.

>> Tabela 2:

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Manteve a ponta da caneta pairando sobre o primeiro zero, e então contou 23 passos; quando chegou ao 9 da primeira linha, passou para o 0 da segunda, e assim por diante. Por fim, anotou o numeral correspondente a vinte e três passos: 3.

— É óbvio que isso não vai funcionar, pois não dá para usar o numeral 3 para representar três passos, treze passos, ou vinte e três passos. Preciso achar um jeito de distinguir as linhas da tabela 2 entre si.


{6}/ Calculus (sing.), calculi (pl.)

 

Na antiguidade, muitos usaram alguma versão de ábaco para contar. Na Roma antiga, por exemplo, uma versão popular incluía pedrinhas (calculi) e uma caixa de areia com divisórias: uma pedrinha na divisória das unidades significava 1. Duas pedrinhas na divisória das centenas significava 200.


{7}/ O poder explicativo de uma tabela

 

Demorou um bocado para que o homem percebesse que não precisa de muitos símbolos para representar os inteiros não negativos, pois podia adaptar uma ideia que já estava presente no ábaco: use as mesmas pedrinhas, mas altere seu valor conforme a posição que ocupam. C2h lembrou-se disso e, em vez de inventar novos algarismos para distinguir três passos de treze passos, e treze passos de vinte e três passos, usou duas posições para representar cada número. “Tenho de manter a ideia básica”, pensou, “que é sempre usar os algarismos na mesma ordem: do menos significativo ao mais significativo, 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9.” Com esse propósito, montou a tabela 3.

>> Tabela 3:

00 01 02 03 04 05 06 07 08 09
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19
20 21 22 23 24 25 26 27 28 29
30 31 32 33 34 35 36 37 38 39
40 41 42 43 44 45 46 47 48 49
50 51 52 53 54 55 56 57 58 59
60 61 62 63 64 65 66 67 68 69
70 71 72 73 74 75 76 77 78 79
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89
90 91 92 93 94 95 96 97 98 99

Mais uma vez C2h manteve a ponta da caneta sobre 00, querendo dizer “ainda não dei nenhum passo”, e depois contou três passos; voltou para 00 e contou treze passos; voltou para 00 e contou vinte e três passos. Desta vez, contudo, produziu três numerais distintos para cada número: 03, 13, 23.

Hung-Hsi Wu, pesquisador americano especializado em matemática elementar, professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, diz que muita gente não chega a perceber o poder explicativo de tabelas como a 1, a 2, e a 3. C2h aceitou o desafio e tentou ver quantas explicações poderia bolar apenas movendo a ponta da caneta sobre os numerais da tabela 3.

(I) C2h repousou a caneta sobre a casa 00 e depois pulou para a casa 10, a 20, a 30, a 40. Escreveu no caderno: “Quando saltei de 00 para 10, é como se tivesse dado dez passos; quando saltei de 10 para 20, é como se tivesse dado mais dez passos; quando saltei de 20 para 30, é como se tivesse dados mais dez passos; e quando saltei de 30 para 40, é como se tivesse dado mais dez passos. Assim, saltar de 00 para 40 equivale a contar quarenta passos. Com o algarismo 1 em 10 eu digo que estou na segunda linha de numerais, e com isso digo que, pela primeira vez, estou usando os dez algarismos 0, 1, 2, …, 9 uma vez mais. Com o primeiro algarismo 4 em 40 eu digo que estou na quinta linha de numerais, e com isso digo que, pela quarta vez, estou usando os dez algarismos 0, 1, 2, …, 9 uma vez mais.”

(II) Seguindo uma indicação de Hung-Hsi Wu, C2h escreveu ainda: “Com o algarismo 7 em 74, eu indico a meu leitor que estou falando de um numeral que está na oitava linha da tabela 3. Meu leitor verá que deve contar sete linhas completamente antes de chegar a 70, e que portanto deve contar setenta passos de 00 a 70, mais quatro passos de 70 a 74. É por isso que o algarismo 7 em 74 vale setenta unidades, e o algarismo 4, quatro unidades.”

(III) Hung-Hsi Wu escreve em Understanding Numbers in Elementary School Mathematics: “Fazendo assim, o estudante vê que, quando coloca o algarismo 3 antes de 0, 1, 2, …, ou 9, quer dizer que já usou três vezes o conjunto de algarismos 0, 1, 2, …, 9, e por causa disso esse algarismo 3 não pode valer simplesmente três unidades.”

(IV) C2h passou a explorar a consequência natural dessas ideias: como ficaria uma tabela com numerais de três algarismos? (Ou de três dígitos.) Para responder à pergunta, montou a tabela 4.

>> Tabela 4:

000 001 002 003 099
100 101 102 103 199
200 201 202 203 299
900 901 902 903 999

Em outras palavras, C2h colocou todos os numerais da tabela 3 na primeira linha da tabela 4. Na segunda linha, com o algarismo 1 do numeral 100, indicou o fato de que 100 está na segunda linha, que já usou os cem numerais de 00 a 99 uma vez, e que portanto precisou de cem passos para partir de 000 e chegar a 100. Com o algarismo 2 de 203, indicou o fato de que 203 está na terceira linha e que, para partir de 000 e chegar a 200 teve de dar duzentos passos, e usar os cem numerais de 00 a 99 duas vezes. “Fica mais claro por que o algarismo 3 do numeral 356 significa a contagem de trezentos passos!”


{8}/ O sistema binário

 

C2h quis saber: “E se, em vez de dez algarismos, eu tivesse só dois, 0 e 1, nessa ordem? Poderia manter o controle sobre o número de passos?”

Com os algarismos 0, 1, montou mais uma tabela de contagem, a tabela 5.

>> Tabela 5:

0 1

Pôs a ponta da caneta sobre o zero e quis contar dois passos. Não deu. “Com só dois algarismos e numerais de uma posição, só posso registrar dois números, os números equivalentes a contar nenhum passo ou contar um passo.” Para reusar os dois algarismos, montou a tabela 6, com numerais de duas posições.

>> Tabela 6:

00 01
10 11

C2h viu que agora pode contar até três passos. Se não contar nada, marca 00. Se contar um passo, marca 01. Se contar dois passos, marca 10. E se contar três passos, marca 11. Viu também que, se põe a ponta da caneta em 00, e depois disso pula para 10, é como se tivesse dado um pulo de dois passos. “Sempre que o algarismo na primeira posição muda de 0 para 1”, escreveu C2h no caderno, “é como se eu tivesse andado mais dois passos a partir do numeral anterior.”

E, logo depois desses pensamentos, montou a tabela 7, com numerais de três posições, que lhe permitiriam reusar os numerais de dois algarismos duas vezes.

>> Tabela 7:

000 001 010 011
100 101 110 111

Partindo de 000, C2h contou cinco passos, e registrou a contagem com 101. Voltou para 000 e contou sete passos: 111. “Com dois algarismos e três posições, tenho oito numerais distintos, com os quais posso contar de zero passo a sete passos.” Não deixou de notar que 2 × 3 = 8. Viu também que, se pula de 000 para 100, dá um salto equivalente a quatro passos. E mais uma vez montou uma tabela 8 para ver os numerais de quatro posições e dois algarismos.

>> Tabela 8:

0000 0001 0010 0011 0100 0101 0110 0111
1000 1001 1010 1011 1100 1101 1110 1111

C2h explorou as semelhanças com o que já vinha fazendo, a começar pelo nome:

[1] O sistema numérico da tabela 8 é um sistema numérico posicional binário hindu-arábico.

[2] O número não muda, pois está vendo “número” como “quantidade de passos”. O que muda é o numeral com o qual representa cada número.

[3] Com dez algarismos e duas posições, C2h pode atribuir um numeral distinto para cem inteiros não negativos (10 × 10 = 100), que são os inteiros de 00 a 99. Com dois algarismos e duas posições, pode atribuir um numeral distinto para quatro inteiros não negativos (2 × 2 = 4).

[4] Quando usa a base 10 e escreve 23, quer dizer com o algarismo 2 que já usou os dez algarismos duas vezes ao partir de 00 para chegar a 20, isto é, que deu vinte passos da casa 00 à casa 20. Quando usa a base 2 e escreve 11, quer dizer com o primeiro algarismo 1 que já usou os dois algarismos uma vez ao partir de 00 para chegar a 10.

[5] No sistema binário, quando salta de 0 para 1, dá um salto de um passo (20); quando salta de 00 para 10, dá um salto de dois passos (21); quando salta de 000 para 100, dá um salto de quatro passos (22); quando salta de 0000 para 1000, dá um salto de oito passos (23); e assim por diante.

[6] Ao escrever 1111 no sistema binário, C2h passa a seguinte mensagem a seu leitor: “Com o primeiro algarismo 1, quero dizer que contei oito passos de 0000 a 1000, e por isso usei uma vez todas as permutações de dois algarismos em três posições; com o segundo algarismo 1, quero dizer que contei quatro passos de 000 a 100, e por isso usei uma vez todas as permutações de dois algarismos em duas posições; com o terceiro algarismo 1, quero dizer que contei dois passos de 00 a 10, e por isso usei uma vez todas as permutações de dois algarismos em uma posição; com o quatro algarismo 1, quero dizer que contei um passo de 0 a 1.” C2h notou que 1111 na base 2 vale 15 na base 10, e que, na base 10, 8 + 4 + 2 + 1 = 15.

Receita para converter numerais binários em numerais decimais


{9}/ A presença de Deus

 

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), matemático alemão, um dos inventores do cálculo diferencial e integral, foi também o primeiro matemático a descobrir que podia denotar qualquer inteiro não negativo com somente dois algarismos, 0 e 1. Ele ficou profundamente impressionado com a descoberta, e viu nela uma evidência da presença de Deus. Chegou a mandar uma carta para missionários cristãos na China, explicando sua descoberta em detalhes, na esperança de que os missionários pudessem recorrer ao sistema numérico posicional binário para converter mais chineses ao cristianismo.


{10}/ A ciência dos saltos

 

Olhando as tabelas 3 e 4, C2h notou uma propriedade interessante: começando em 0, se dá dez saltos de 10 unidades, chega a 100. Assim: 0, 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80, 90, 100. Começando em 0, se dá dez saltos de 100 unidades, chega a 1.000: 0, 100, 200, 300, 400, 500, 600, 700, 800, 900, 1.000. Começando em 0, se dá dez saltos de 1.000 unidades, chega a 10.000: 0, 1.000, 2.000, 3.000, 4.000, 5.000, 6.000, 7.000, 8.000, 9.000, 10.000. Como poderia expressar essa descoberta? Escreveu assim: “Seja n um número inteiro positivo. Se eu começo na casa 0 e conto em saltos de 10000 (1 seguido de n zeros), daí, depois de dez saltos, chego à casa 10000 (1 seguido de n + 1 zeros).”

Eis como C2h desenhou o que está querendo dizer:

 

Formulário 1

É uma observação útil para usar com a definição de adição e a de multiplicação de inteiros não negativos.

(“Formulário” significa “conjunto de fórmulas”.)


{11}/ O conceito de adição

 

Com o que já descobriu até aqui, C2h se sentiu capaz de definir o conceito de adição só com a ajuda das tabelas de contagem, especialmente a tabela 3.

“Quero agora definir a adição de quatro passos com cinco passos”, escreveu no caderno. “Para denotar essa operação de adição, vou usar a expressão 4 + 5. Quero dizer com ela o seguinte: 4 + 5 representa o inteiro não negativo que obtenho ao deixar a ponta da caneta pausada sobre o numeral 4, e então contar mais cinco passos a partir de 4.” Para deixar mais claro o que quis dizer, produziu a figura 2.

>> Fig. 2:

00 01 02 03 04
00 01 02 03 04 05
00 01 02 03 04 05 06 07 08 09
00 01 02 03 04 05
00 01 02 03 04

Como ao contar cinco passos a partir de 04 ficou com a ponta da caneta sobre o numeral 09, então pôde usar o sinal “=” para expressar o fato de que, na equação mais abaixo (no formulário 2), a expressão 4 + 5 equivale a 9, isto é, de que contar cinco passos a partir da casa com o numeral 04 equivale a contar nove passos a partir da casa com o numeral 00. De quebra, com a figura 2, achou bem fácil acreditar também que 4 + 5 = 5 + 4, isto é, que a adição é comutativa.

 

Formulário 2

 

“De modo mais simples e mais geral”, escreveu, “se estou trabalhando com inteiros não negativos, posso dizer que a soma a + b é o inteiro c que obtenho ao contar b passos começando em a, e posso contar essa história escrevendo a + b = c ou c = a + b. Agora, quando escrevo a + b + d, quero dizer o inteiro que obtenho ao contar d passos a partir de a + b; é claro que isso é a mesma coisa que c + d.” A partir desse ponto, e ainda olhando a tabela 3, C2h chegou à conclusão de que 9 + 3 = 3 + 9 = 4 + 5 + 3 = 3 + 4 + 5 = 5 + 4 + 3 = 3 + 5 + 4 = 12, e disso tudo, mais genericamente, que a + b + c + ··· + n = n + ··· + c + b + a, onde tais letras denotam inteiros não negativos.


{12}/ A ideia de “vezes”

 

Com a definição de adição, C2h voltou à ideia dos saltos. Se começa em zero e dá dez saltos de dez passos por vez para chegar a 100, pode dizer que começou em 10 e deu nove saltos de dez passos para chegar a 100. Ao contar essa história com notação matemática, escreveu:

Formulário 3

C2h fez mais uns testes com afirmações semelhantes (testou 1.000, 10.000, 100.000), e daí chegou a uma afirmação mais genérica: “Se uso n para denotar um inteiro positivo, daí posso escrever tais afirmações de modo mais genérico.” Eis o que produziu:

Formulário 4


{13}/ A forma expandida

 

Com tudo isso, C2h viu que, quando escreve 5.725, com o primeiro algarismo 5, quer dizer 5.000 passos a partir do zero; com o segundo algarismo 7, quer dizer mais 700 passos a partir do numeral 5.000; com o terceiro algarismo 2, quer dizer 20 passos a partir do numeral 5.700; e com o quarto e último algarismo 5, quer dizer 5 passos a partir do numeral 5.720. Como contar essa história com as definições que já tem até aqui?

Formulário 5

C2h descobriu que pode chamar a soma 5.000 + 700 + 20 + 5 de “a forma expandida de 5.725”.


{14}/ Maior, menor

 

Com esse jeito de olhar os números inteiros não negativos e os numerais que usa para representá-los, C2h notou que fica fácil representar a ideia de que um número é menor ou maior que outro: no processo de contagem, se o inteiro a ocorre primeiro que o inteiro b, então a é menor que b (ou b é maior que a). Escreveu isso em símbolos:

 

Formulário 6

Lendo sobre o assunto, descobriu algo que pouca gente sabe: que pode expressar ambas as linhas com as mesmas palavras. Se quiser, ou se achar necessário, pode escrever b > a e dizer as palavras “a é menor que b”; ou pode escrever a < b e dizer “b é maior que a”.

C2h escreveu no caderno: “Se estou comparando dois inteiros, como posso traduzir o fato de que ou os dois são iguais, ou um é maior que o outro, ou um é menor que o outro?” Para guiar o pensamento, usou como exemplos os números 3.765 e 3.755. “Fica claro que devo comparar os numerais posição a posição, algarismo a algarismo. Se o primeiro algarismo dos dois é o mesmo, neste caso 3, significa que nos dois casos precisei contar três mil passos da casa 0.000 à casa 3.000, e nos dois casos a ponta da minha caneta está sobre a casa 3.000. Se o segundo algarismo dos dois é igual a 7, significa que, a partir da casa 3.000, nos dois casos precisei contar mais setecentos passos, e a ponta da minha caneta nos dois casos está sobre a casa 3.700. Agora, no primeiro caso, contei sessenta passos a partir da casa 3.700, e no segundo caso, contei cinquenta passos. No primeiro caso, a ponta de minha caneta parou sobre a casa 3.760. No segundo, sobre a casa 3.750. Fui mais longe no primeiro caso, e por isso 3.765 é maior que 3.755, ou 3.755 é menor que 3.765”

Se estivesse comparando dois inteiros com número distinto de algarismos, C2h viu que, para usar o raciocínio acima, bastaria completar um dos numerais com zeros à esquerda. Por exemplo, para comparar 3.765 com 833, basta adicionar um zero à esquerda de 833 e comparar 3.765 com 0.833. “3.765 é maior que 0.833 porque, no primeiro caso, precisei contar três mil passos de 0.000 até 3.000. Repeti três vezes meu conjunto de numerais de três algarismos. No segundo caso, não saí do lugar: a ponta da caneta permaneceu imóvel sobre a casa 0.000.” Essa ideia dá ensejo a um algoritmo bacana, e C2h o colocou no papel:

“Suponha que eu esteja comparando dois inteiros não negativos com a mesma quantidade de algarismos. Indo da esquerda para a direita, comparo os dois inteiros, posição por posição, algarismo por algarismo, até que chego a uma posição na qual os dois algarismos diferem. Posso declarar como sendo maior o inteiro cujo algarismo, nessa posição, é maior. Se os dois inteiros não têm a mesma quantidade de algarismos, posso imediatamente declarar como sendo menor aquele que precisei preencher com zeros à esquerda.”


{15}/ Tricotomia

 

Depois de associar a ideia de número com a de passos, e de dissociar a quantidade de passos do modo como registra a quantidade de passos (o numeral), em pouco tempo C2h entendeu perfeitamente por que ou dois inteiros não negativos a e b são iguais (a = b), ou um é maior que o outro (a > b), ou um é menor que o outro (a < b). Muito adulto acha natural esse axioma da tricotomia, mas não sabe explicá-lo adequadamente.


{16}/ Número e numeral: parte II

 

C2h tomou cuidado para distinguir número de numeral. Em alguns textos, como este, tal distinção é importante. Na maioria das situações cotidianas, porém, não há nenhum problema em chamar 275 de número. Mas C2h sabe que, de vez em quando, deve trazer tal distinção à mente e brincar com ela.

Por exemplo, o número quinze é um número ímpar; C2h não consegue dividir quinze passos em dois grupos com a mesma quantidade de passos, pois um dos dois grupos sempre fica com um passo a mais. Quinze sempre será um número ímpar, mesmo quando C2h o registra com o sistema posicional hindu-arábico de base 5, no qual monta os numerais apenas com os algarismos 0, 1, 2, 3, 4 e no qual deve grafar “quinze passos” com o numeral 30. A propriedade de ser par ou ímpar é uma propriedade do número, e não do numeral. O fato de que os numerais de base 10 terminados em zero são pares é mera coincidência.

Em certos sistemas numéricos posicionais, como o de base 5, números pares e ímpares terminam em zero


{17}/ A multiplicação de inteiros

Na vida de quem adiciona inteiros não negativos, ocorre com frequência a necessidade de adicionar um monte de parcelas idênticas, como 5 + 5 + 5 + 5 ou 76 + 76 + 76. C2h sabe que existe um jeito mais fácil de grafar casos assim:

>> Formulário 7:

Formulário 7

Com o símbolo de igual com uma bolinha em cima, C2h quis dizer: “Eu defino o significado da expressão à esquerda, que por enquanto meu leitor desconhece, com o significado da expressão à direita, que meu leitor já conhece.” Uma vez que a definição esteja pronta, ninguém precisa mais repetir esse símbolo: basta usar o sinal de igual comum.

Lendo sobre o assunto, C2h descobriu que não deve dizer: “A multiplicação de inteiros não negativos é uma adição de parcelas repetidas.” Na verdade, o conceito de multiplicação é distinto do conceito de adição, mas, no caso de inteiros não negativos, os dois conceitos se complementam perfeitamente bem. (Resumindo bastante, a história transcorreu assim: antigamente, os matemáticos definiram a multiplicação como sendo uma adição de parcelas repetidas; depois, conforme aprenderam mais, descobriram muitas situações nas quais essa definição não faz sentido, como na multiplicação de matrizes, e hoje sabem que cada uma das duas operações merece lugar de destaque uma ao lado da outra. Elas têm a mesma estatura.) C2h achou um jeito interessante de expressar com palavras as expressões no formulário 7: “Quando eu julgar conveniente, posso ver uma adição repetida de inteiros não negativos como se fosse uma multiplicação de dois inteiros não negativos, e vice-versa, desde que não me esqueça de que nem sempre posso ver a multiplicação como sendo uma adição repetida.”

Eis um jeito mais genérico de usar a ideia de multiplicação para simplificar a notação da adição repetida de inteiros não negativos:

 

Formulário 8

Pode chamar n e x de fatores, e pode chamar nx (o resultado da multiplicação de n por x) de produto.

C2h já conhece bem muitos aspectos da multiplicação e da adição de números reais, mas tentou ver o que conseguia deduzir sobre tais operações com inteiros não negativos apenas com as definições desta matéria. Viu que pode fazer muita coisa:

a) A multiplicação de inteiros não negativos é comutativa: nx = xn.

b) Como atribuir significado a 3 · 5 · 8? “Por exemplo”, escreveu C2h, “faço 3 · 5, isto é, 5 + 5 + 5: começo na casa 00 e conto cinco passos para chegar à casa 05; a partir dessa casa, conto mais cinco passos para chegar à casa 10; e a partir dessa casa, conto mais cinco passos para chegar à casa 15. E então, usando a mesma receita, faço 15 · 8 = 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 = 120.”

c) Olhando as expressões na seção 11, C2h viu que poderia escrever assim, se quisesse:

 

Formulário 9

Assim, 10 · 10 = 100; 10 · 100 = 1.000; 10 · 1.000 = 10.000; etc. Substituindo uma fórmula na outra:

Formulario_11

Formulário 10

Brincando com mais alguns exemplos, não achou difícil concluir que o número de zeros depois de 1 é igual ao número de fatores iguais a 10, isto é:

Formulario_12

Formulário 11

Ele já sabia que matemáticos escrevem 10 como 101, 100 como 102, 1.000 como 103, 10.000 como 104 e, mais genericamente:

 

Formulario_13

Formulário 12

C2h achou fácil usar só o que sabe até aqui para deduzir uma lei muito útil:

Formulario_19

Formulário 13

E com isso, sempre recorrendo apenas a definições simples, pôde redefinir a igualdade no formulário 11 (os três pontinhos em triângulo significam “portanto”):

Formulario_14

Formulário 14

Logo depois, pensou no significado de 100, já que, por enquanto, está lidando com inteiros não negativos e o zero é um inteiro não negativo. Experimentou várias possibilidades, e por fim montou uma lista.

Formulario_15

Formulário 15

“Ora”, escreveu, “105 é 104 vezes 10; 104 é 103 vezes 10; 103 é 102 vezes 10; 102 é 101 vezes 10. Para manter essa lista consistente, devo dizer que 101 é 100 vezes 10, o que me obriga a declarar 100 = 1.” E foi o que fez.

Formulario_16

Formulário 16

“Quando leio 10n”, escreveu C2h, “devo dizer ‘dez elevado à enésima potência’ ou ‘dez elevado ao expoente n’. Por exemplo, com 105, devo dizer ‘dez elevado à quinta potência’ ou ‘dez elevado ao expoente cinco’.”

Mais uma vez, C2h notou que deve fazer distinção entre a operação de potenciação e a de multiplicação. São duas operações distintas, de mesma estatura, sendo que os matemáticos chamam a operação de potenciação de “operação analítica”, pois, com frequência, só pode ser adequadamente definida com a ajuda do cálculo diferencial e integral, muitas vezes com a ajuda de séries infinitas (somatórios com número infinito de parcelas). É o caso de da expressão ei√2, na qual e é uma constante, i é a unidade imaginária, e √2 é o número real que, multiplicado por si mesmo, resulta em 2. Contudo, nas operações aritméticas básicas, que C2h realiza com inteiros não negativos, se quiser pode ver a multiplicação de fatores repetidos como se fosse uma potenciação de expoente não negativo, e vice-versa.


{18}/ Voltando ao começo

 

Com tudo isso, C2h viu que estava pronto para definir a ideia de sistema posicional decimal hindu-arábico do modo como os matemáticos o definem, com a diferença de que, desta vez, domina cada passo da definição.

Começou notando que 4.000 = 4 · 1.000; 300 = 3 · 100; 70.000 = 7 · 10.000. Desse modo, pensando em p como um dos algarismos 0, 1, 2, 3, …, 9:

Formulario_17

Formulário 17

Assim, 4.000 = 4 · 103, 300 = 3 · 102, 70.000 = 7 · 104, etc. O algarismo 4 em 4 · 103, o algarismo 3 em 3 · 102, e o algarismo 7 em 7 · 104 se chamam coeficientes: em 7 · 104, C2h pode dizer, se quiser: “sete é o coeficiente de dez elevado ao expoente quatro” ou “sete é o coeficiente da quarta potência de dez”.

Então, qual é a forma expandida de 540.077.504? Ela é:

>> Formulário 18:

Formulario_18

C2h até pensou numa cola com a qual pode montar somatórios como o do formulário 18 sem cometer nenhum erro, e foi assim que montou a tabela 9.

>> Tabela 9:

5 4 0. 0 7 7. 5 0 4
8 7 6 5 4 3 2 1 0

Na linha de cima, estão os algarismos do numeral a converter no somatório da forma expandida; na linha de baixo, os expoentes de 10. Uma tabela assim deixa claro por que, ao acrescentar zeros à esquerda de um numeral, C2h não altera seu valor: ora, 0 · 10n é igual a zero para qualquer valor de n.

“No mundo da educação matemática”, diz Hung-Hsi Wu, o especialista de Harvard, “às vezes a expressão ‘saber algo’ significa, na verdade, ‘decorar algo’. Uma pessoa diz que 7 vezes 8 vale 56: talvez saiba o que está dizendo, ou talvez tenha decorado o resultado. Então, quando o matemático usa a expressão ‘saber algo’, quer dizer algo completamente diferente: na matemática, se o matemático diz que conhece um conceito, ele conhece a definição precisa, conhece o conceito intuitivamente, sabe por que ele é verdadeiro, sabe por que vale a pena conhecê-lo, sabe quando pode usá-lo, sabe o contexto natural no qual o conceito aparece. Enfim, sabe a história completa.” {FIM}

* * *

Aviso: Se gostou deste texto e se lê inglês, compre o livro Understanding Numbers in Elementary School Mathematics, de Hung-Hsi Wu. É um livro extraordinário. Em todo caso, pretendo continuar usando o livro de Wu como ponto de partida para textos sobre aritmética elementar, como fiz com este texto. Não perca!