O mistério das jarras d’água


{1}/ Três problemas com jarras d’água

Problema 1. Suponha que te deem dois jarros d’água, um de 5 litros e um de 3 litros, e suponha também que tem acesso a uma pia com água encanada. Como pode usar os jarros para medir exatamente 4 litros d’água?

Problema 2. Se puder resolver o problema 1, eis outro: como pode medir exatamente 1 litro d’água?

Problema 3. Suponha agora que te peçam de volta os dois jarros do problema 1 e que te deem, no lugar deles, um jarro de 6 litros e um de 3 litros. Como pode com eles medir exatamente 4 litros d’água?



 

{2}/ Resolução

Quase todo mundo gosta desses problemas; crianças com cinco anos de idade já se divertem à beça com o problema 1, e se puderem experimentar com jarras d’água de verdade, vão à loucura.

A princípio, um jovem matemático desenhou as duas jarras, e logo percebeu que deveria começar enchendo uma delas até a boca — pois, em tese, não tem opção exceto encher uma jarra completamente ou, se já estiver cheia, esvaziá-la; de fato não tem como medir frações de uma jarra. (Vou chamar esse jovem matemático de Sj5.) Desenhou primeiro a jarra de 5 litros cheia e a jarra de 3 litros vazia. Teve então a ideia de jogar o conteúdo da jarra de 5 litros na de três litros, para ficar com 2 litros na jarra maior e 3 litros na menor.

Figura 1

Figura 1

E aí desistiu de desenhar, pois percebeu que, se fosse desenhar as duas jarras a cada passo da resolução, ficaria doido, sem contar a demora.

Logo depois de desistir, teve a ideia que muita gente antes dele já teve: a de montar uma tabela. Numa coluna, o conteúdo da jarra de 5 litros; na outra, o conteúdo da jarra de 3 litros; e, na outra, a soma do conteúdo das duas jarras.

5 litros 3 litros Soma

0

0

0

5

0

5

2

3

5

2

0

2

0

2

2

5

2

7

4

3

7

 

Sj5 viu que isso era suficiente para dar resposta ao problema 1: “Encho a jarra de cinco litros, jogo o conteúdo da jarra de cinco litros na jarra de três litros até enchê-la; esvazio a jarra de três litros e transfiro os dois litros da jarra de cinco litros para a de três litros. Encho mais uma vez a jarra de cinco litros, e com ela completo a jarra de três litros, e com tudo isso fico com exatamente quatro litros na jarra de cinco litros.” Mas viu que poderia continuar o trabalho com a tabela, e foi o que fez.

4

3

7

4

0

4

1

3

4

1

0

1

0

1

1

5

1

6

5

3

8

0

3

3

 

Sj5 notou que poderia medir exatamente os nove inteiros 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, e com isso resolveu também o problema 2. Olhando a tabela completa, sentiu algo que nem todo mundo sente — a sensação de que o método da tabela não funciona direito, e de que poderia criar um método melhor se atinasse com uma boa notação.

“O problema da tabela”, escreveu Sj5 no caderno, “é que tenho de ficar o tempo todo olhando o topo da tabela, para me lembrar do maior inteiro positivo que posso colocar em cada coluna. Isso até que não incomoda tanto com apenas duas colunas, mas e se o problema falasse de três jarras, ou de cinco jarras? Daí o método da tabela se tornaria uma amolação.”

Depois de experimentar várias opções, Sj5 finalmente achou uma que tornou seu trabalho mais fácil. Eis um exemplo de como funciona:

Com ela, quis dizer: “Quatro litros na jarra de cinco litros, mais três litros na jarra de três litros, é igual a sete litros ao todo.” E com essa notação refez o que tinha feito com a tabela, com o propósito de praticar.

Achou muito fácil explorar as possibilidades, e para testar sua nova notação, viu o que conseguiria se tivesse uma jarra de 9 litros e uma de 4 litros. (No formulário a seguir, examine uma coluna por vez, da esquerda para a direita.)

“Não é incrível?” escreveu Sj5 no caderno. “Com uma jarra de 9 litros e uma de 4 litros, posso medir, exatamente, todos os inteiros de 0 até 13, isto é, posso medir 0 litro, 1 litro, 2 litros, 3 litros, …, 12 litros, 13 litros. Quem diria?”

E daí, cheio de entusiasmo, atacou o problema 3.

“Ops!” Sj5 viu que desse ponto não avançaria mais. Com uma jarra de 6 litros e outra de 3 litros ele consegue medir exatamente 0, 3, 6, e 9 litros, mas não 1, 2, 4, 5, 7, e 8 litros. “A única solução possível ao problema 3”, escreveu no caderno, “é dizer que o problema não tem solução.” Na escola, o estudante se acostuma tanto a problemas com solução que se esquece, muito facilmente, de uma característica importante da matemática: ela está abarrotada de problemas insolúveis. Sj5 sabia disso: “A maior missão do matemático”, escreveu, “é provar suas afirmações sobre questões matemáticas para além de qualquer dúvida; e muitas vezes isso significa provar que determinado problema não tem solução.”

Depois disso, Sj5 fez a si mesmo uma pergunta importante: “O que diferencia o problema 1 e o problema 2 do problema 3? Como posso testar as jarras para saber se, com elas, consigo obter determinada quantidade inteira de litros?”



 

{3} Um nadica de teoria dos números

A verdade é que Sj5 fez a si mesmo uma pergunta difícil de responder. Pesquisando na internet, achou uma resposta curta:

Se uma das jarras comporta x litros, e a outra comporta y litros, com x e y inteiros positivos, Sj5 pode medir todos os inteiros não negativos de 0 até x + y somente se x e y são primos entre si, isto é, caso os únicos divisores comuns de x e de y sejam 1 e –1. (Não é o caso de 6 e de 3, já que Sj5 pode dividir ambos por 3.)

Caso x e y não sejam primos entre si, então têm um máximo divisor comum. Sj5 pode produzir todos os inteiros não negativos que sejam divisíveis por esse máximo divisor comum; quanto aos outros, não pode produzi-los. Por exemplo, 3 é o máximo divisor comum de 6 e de 3, e por causa disso Sj5 teve condições de produzir os inteiros 0, 3, 6, e 9, mas não 1, 2, 4, 5, 7, e 8.

Agora, provar tais afirmações é outra história, e muito longa — ficará para uma próxima matéria. {FIM}



 

P. S. Se vai montar um laboratório, escolha recipientes cujo volume máximo seja um coprimo dos outros volumes máximos; assim, numa emergência, pode usá-los para produzir frações inteiras da soma de todos os volumes.

3 Comments

  1. Problema lindo que pode ser atacado de muitas maneiras, sua notação é muito interessante. Podemos realizar a busca em uma árvore. Utilizar coordenadas trilineares, muito eficiente se usarmos como uma grade e com uma pedrinha. Coloquei esse problema na minha dissertação, fiz até um algoritmo em C que resolve o caso geral para dividir em dois o volume de água. O problema só não tem solução quando m.d.c(b,c) não divide a/2, isso restringindo a=b+c.

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